sábado, 22 de setembro de 2018

2018 - A Doutrina do Santo Ministério (Nerbas) - 1

     Este foi o material que o Prof. Dr. Paulo Moisés Nerbas preparou e que serviu de base para os 4 dias de discussão sobre a Doutrina do Santo Ministério.

1) Fundamentos: 

      TEOLOGIA: HABITUS PRACTICUS THEÓSDOTOS. “Habitus”: hikanótees (suficiência). Outra tradução: capacidade. Capacidade exercida (practicus) dada por Deus. É uma capacidade espiritual (habitus spiritualis, supernaturalis). É implantada na alma pelo Espírito Santo, não adquirida por meios naturais. Antes que alguém possa apresentar teologia ou ensiná-la, é preciso que ela se encontre na alma do indivíduo. É produto da capacidade cognitiva inspirada por Deus no ser humano através do estudo da Palavra.
      THEÓSDOTOS: dada por Deus. Podemos entender isso como uma cháris. Creio que é o primeiro sentido. No entanto, na minha percepção, também vejo o “dada por Deus” como fonte daquilo que o teólogo põe em prática no que vive, ensina e confessa. O reconhecimento disso é fundamental para situar a teologia confessional luterana. Ela é dada por Deus na Palavra e em nenhum lugar mais. Apenas a Palavra é o principium cognoscendi da teologia, o que nos leva a confessar: QUOD NON EST BIBLICUM, NON EST THEOLOGICUM, pois o que Deus nos dá, ele o dá pela Palavra.
      Nenhuma doutrina, assim também a que será estudada, deve ficar confinada a pensamentos, ideias e sabedoria de alguém, caso isso não reflita o que é dado por Deus na sua Palavra. Afinal, estamos falando de “teologia” e não de “achologia”.
      A partir desse fundamento refletiremos sobre a doutrina do santo ministério. O que Deus nos revela permanece para sempre como verdade; o que não revela, pode nos levar a procedimentos que são passíveis de investigação a respeito de sua propriedade no contexto onde são inseridos. Também isso aparecerá no estudo sobre a doutrina do santo ministério.
      Percebe-se cada vez mais uma crescente tensão entre a posição teológica histórica de uma igreja confessional como a IELB e a cultura que a rodeia, não apenas no aspecto da moralidade, mas também no contexto teológico propriamente dito. Caso investigarmos um pouco o que acontece, é ensinado e buscado no chamado “mundo ecumênico”, ficaremos nos perguntando sobre o ponto em que arrebentará a corda. É impossível permanecer confessionais e, ao mesmo tempo, acompanhar o que acontece no movimento ecumênico atual. Uma teologia exclusivista como a nossa não é bem-vista e, muito mais, escorraçada de alguns círculos. Admite-se hoje, sem nenhum pudor, que também pode ser “theologicum quod non est biblicum”. Além disso, quando o “biblicum” ainda é levado em conta, aplica-se a ele métodos de interpretação que fazem o texto “afirmar” o que o leitor determina e não o leitor acatar o que o texto revela. Na clássica visão luterana, todavia, o principal de nossos fundamentos é a confissão e confiança de que as Escrituras proféticas e apostólicas falam para qualquer época. Isso nos faz pensar igualmente nas nossas Confissões reunidas no Livro de Concórdia. Subscrevemo-las QUIA (PORQUE) são uma exposição verdadeira da Palavra de Deus, o que as torna falantes também para qualquer época.
      O servo que estará diante de vocês nestes dias se movimenta dentro dos limites deixados claros nos fundamentos até aqui colocados. Cada um de nós precisa ter clareza a respeito do “como” se faz teologia. Evidentemente que outros podem se posicionar sobre fundamentos diferentes. Trata-se, porém, de fator de responsabilidade e respeito para com vocês a minha atitude de, antes de entrar no tema de estudo proposto, deixar transparente a todos o que entendo por teologia e como a procuro fazer e viver como pessoa, pastor e professor. Assim sendo, o que falo também creio! Sou grato a Deus pela graciosa oportunidade de estar aqui repartindo aquilo que, assim creio, Deus Espírito Santo colocou no meu coração.

2) Ministério da Palavra (predigtamt): instituição divina.

      No Antigo Testamento encontramos várias tarefas e títulos descrevendo diferentes aspectos do ministério da Palavra: patriarca, profeta, sacerdote e rei. Em meio àquilo, duas características daquele ministério sempre aparecem em alto relevo; o chamado ou instituição por Deus e a responsabilidade sob Deus de proclamar e ensinar sua Palavra.
      O sacerdócio foi instituição ordenada especificamente por Deus e começou quando Moisés consagrou Arão da tribo de Levi (Êx 28). O sacerdócio foi estabelecido por Deus para serviço no tabernáculo e para favorecer o meditar na graça de Deus através do sistema sacrificial. Os sacerdotes do Antigo Testamento anunciavam o perdão de Deus àqueles que confessavam seus pecados e ofereciam sacrifícios apropriados. Também conferiam a graça de Deus, a paz e a bênção araônica (Nm 6.22-27). Os filhos de Arão, escolhidos pela graça de Deus, serviam como representantes do povo junto a Deus e de Deus junto ao povo.
      No entanto, mesmo existindo similaridades entre o sacerdócio do Antigo Testamento e o Ofício do Ministério da igreja, o fundamento bíblico inicial para o Ofício do Ministério não reside no Antigo Testamento com seus modelos de templo e sacerdócio. Pelo contrário, está firmado e estabelecido na pessoa e obra do próprio Jesus Cristo.
      O Senhor Jesus inaugurou todo o ministério cristão quando convidou os Doze a segui-lo. É verdade que Jesus chama todos os discípulos a servir, pois toda a obra de um discípulo na causa que é de Deus se constitui em servir. ELE, PORÉM, TAMBÉM CHAMOU UM GRUPO PARTICULAR AO MINISTÉRIO ESPECIAL DO APOSTOLADO! Portanto, atrás de cada serviço na igreja há a instituição de Cristo que é dupla: o servir de modo geral como seguidor dele desde o batismo e o servir especial dentro do ofício do ministério da Palavra. O fator constitutivo no chamado ao apostolado não é meramente o encontro com Cristo, mas o fato de estar diretamente credenciado por ele para ser seu representante. Por isso, o apóstolo ostenta a autoridade daquele Um que o enviou (Mt 10.40; 16.19). Temos aqui um ponto importantíssimo na sequência do nosso estudo! Há um chamado especial, particular para exercer o ofício de apóstolo, ministro dentro do ofício da pregação. O ofício não está à disposição de todos nem ao alcance de todos. O apostolado ou episcopado surge de uma ação especial de Cristo, separada de outras. É instituição do Senhor Jesus, o qual escolhe quem irá exercê-lo. Não surgiu da escolha de um grupo de pessoas que se reúne voluntariamente e decide quem será o “pastor” entre elas.
      Jesus deu aos seus apóstolos a ordem não somente para orar pelo envio de trabalhadores para a seara (Mt 9.38), mas também para “ir e fazer discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que ele lhes tinha ordenado” (Mt 28.19,20). Evidentemente que Jesus não disse simplesmente “haja pastores”. O que ele falou foi: “façam discípulos pelo batismo e pelo ensino”. Obviamente que é necessário haver quem batize e ensine (os apóstolos).
      No período pós-ressurreição, os apóstolos são claros sinais da ação divina de chamar pessoas para um ministério especial. Pedro, por exemplo, foi chamado pelo Cristo ressurreto para se tornar um dos principais missionários e arautos da igreja. Ele não tira sua autoridade “de baixo”, como se assim fosse; pelo contrário, ela lhe foi dada por Cristo e, por isso, lhe é permitido estabelecer e alimentar comunidades. Paulo, igualmente, de acordo com Gl 1.12, recebeu um chamado do Senhor para ser apóstolo às nações. Paulo não recebeu sua autoridade “de baixo”, algo que ele nega fortemente em Gl 1 e 2, mas diretamente do Cristo ressuscitado. Na verdade, há uma variedade de textos do Novo Testamento que atestam o fato de que Jesus estabeleceu um Ofício do Ministério específico através do chamar e do enviar dos apóstolos. “Como ouvirão se não quem lhes pregue? E como pregarão se não forem enviados?” (Rm 10.14,15).
      O MINISTÉRIO OU OFÍCIO DA PALAVRA É NECESSÁRIO NÃO SOMENTE POR UMA QUESTÃO DE ORDEM, EMBORA ISSO TAMBÉM SEJA CONSIDERAÇÃO IMPORTANTE, CONTUDO O OFÍCIO DA PREGAÇÃO DA PALAVRA É REQUERIDO POR CAUSA DA CRIAÇÃO DA FÉ SALVADORA! (Verificar Confissão de Augsburgo, V!!!!!)
      Paulo elegeu presbíteros em cada igreja na sua primeira viagem missionária (At 14.23). Aos presbíteros de Éfeso Paulo assim falou: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue” (At 20.28). Aqueles presbíteros ocupavam seu Ofício por colocação divina, mesmo que tal colocação tivesse acontecido através de agentes humanos (At 13.1-3).
      As epístolas pastorais preocupam-se em demonstrar como a missão paulina pôde continuar sem a presença física do apóstolo. Tito e Timóteo foram escolhidos pelo Espírito para atuarem na obra do apostolado de Paulo. O desejo do apóstolo no sentido de que seu apostolado continuasse em Creta, foi contemplado através de Tito, o qual providenciou para que acontecesse a escolha daqueles que supervisionassem a vida espiritual e o serviço do povo de Deus (T 1.5-9). Por isso, é evidente que falta algo da vontade divina se tal escolha na congregação não acontece segundo o modelo bíblico! Percebe-se, e isso é por demais importante, a prioridade teológica da Palavra. O ministério está subordinado a ela; a Palavra legitima o ministério e não o contrário!!! Outro ponto importantíssimo a ser destacado dentro do estudo!!

A título de recapitulação, lembremos, então:


  • O ministério da igreja tem suas raízes na forma como Jesus chamou seus discípulos e, particularmente, os Doze. A pregação das boas novas do reino de Deus foi estabelecida pelo próprio Cristo.
  • Dentre o servir ministerial de todos (geral), uma forma particular de ministério é destacada na tradição sinótica bem como por Paulo: o ministério dos apóstolos.
  • Assim como os apóstolos foram colocados no Ofício pelo Senhor, também os apóstolos colocaram outros no Ofício – aqueles que não tinham visto o Senhor ressuscitado. A forma de fazer é variada.
  • o ministério é um dom do Espírito e existe, assim como outros dons de Deus, para edificar a igreja. 

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