sábado, 22 de setembro de 2018

2018 - A Doutrina do Santo Ministério (Nerbas) - 2

[Parte anterior]

     Este foi o material que o Prof. Dr. Paulo Moisés Nerbas preparou e que serviu de base para os 4 dias de discussão sobre a Doutrina do Santo Ministério.

Nas Confissões Luteranas

      As fontes primárias nas Confissões para a doutrina do Ministério são os Artigos V, XIV e XXVIII da Confissão de Augsburgo; Artigo XIII da Apologia e o Tratado Sobre o Poder e o Primado do Papa. A partir do Artigo V da CA percebemos o seguinte: a justificação do pecador e com ela a salvação, vem apenas da fé, por isso o Ministério Público da igreja está inseparavelmente conectado aos meios de Deus para criar a fé e recriar criaturas como filhos de Deus. São os meios da graça, Palavra e Sacramentos. Devido a isso, o Ofício Pastoral é o instrumento do Espírito Santo pelo qual o poder do evangelho de Deus chega às pessoas. O ministério não vem a ser somente uma vaga inferência (algo que você deduz) a partir da justificação. Não! Tal como o evangelho e os sacramentos, é instituído por Deus.
      No Artigo XIV da CA, encontramos o rite vocatus. A expressão impõe que, ao se falar de Ofício do Ministério, não pode ser dado a ninguém o direito de se colocar no ofício público, assim como também expressa que o Ofício Pastoral não pode ser usurpado por ninguém. Alguém entra no ministério através de chamado de Deus quando este é mediato através da igreja. A proclamação pública do evangelho e a administração dos sacramentos devem ser exercidas somente por aqueles que foram chamados de maneira apropriada.
      No Artigo XXVIII da CA, 5,6,7, lemos: “Os nossos pensam assim: o poder das chaves, ou poder dos bispos, é, segundo o evangelho, o poder ou ordem de Deus de pregar o evangelho, remitir e reter pecados e administrar os sacramentos. Pois Cristo envia os apóstolos com esta ordem: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. Recebei o Espírito Santo. Se de alguns perdoardes os pecados, são-lhes perdoados; se lhos retiverdes, são retidos.” E Mc 16: “Ide, pregai o evangelho a toda criatura, etc.” Mais adiante, secção 21, lemos: “Assim, segundo o evangelho, ou, como se diz, de direito divino, compete aos bispos, como bispos, isto é, àqueles que estão incumbidos do ministério da palavra e dos sacramentos, esta jurisdição: perdoar pecados, rejeitar doutrina que dissente do evangelho e excluir da comunhão da igreja os ímpios cuja impiedade é conhecida. Todavia, sem força humana, mas com a palavra”.
      Deus alcança perdão apenas através do Evangelho. Logo, a salvação da pessoa depende do Evangelho proclamado e também alcançado sacramentalmente. Exatamente nessa verdade está firmada a necessidade do Ministério do Evangelho – um Ministério que, na visão da Confissão de Augsburgo, nunca se trata de uma mera ou abstrata função, mas sempre como um ministério oficial, público e com autorizado. Importante destacar aqui que não existe um “ministerium in abstracto”, mas sempre “in concreto”. Ele se concretiza no Ofício criado e autorizado por Deus, com alguém regularmente chamado para desempenhá-lo publicamente. Portanto, alguém sem chamado para tanto não está autorizado a oficiar (vem de Ofício). Há mais implicações a esse respeito, as quais serão abordadas mais adiante!
      É apropriado à reflexão lembrar aqui da secção 13 dos Artigos VII e VIII da Apologia: “Se definirmos a igreja como sendo apenas governo externo de bons e maus, não entenderão os homens que o reino de Cristo é justiça do coração e dom do Espírito Santo; julgarão que é somente observância externa de certas formas cultuais e ritos”. Então, visto que a igreja não é “somente a observância externa de certas formas cultuais e ritos”, o Ofício do Ministério também não pode ser visto como existente somente uma igreja que nasce “de baixo”. Se assim fosse, as questões referentes ao Ministério da Palavra também seriam tratadas “de baixo”, como infelizmente em alguns casos assim acontece tanto por parte de congregações como também de pastores. O Ofício do Ministério é ideia de Deus, não nossa!
      No Artigo XIII da Apologia, 12, lemos: “Pois a igreja tem a ordem de constituir ministros, o que nos deve ser gratíssimo, porque sabemos que Deus aprova esse ministério e nele está presente”. Um pouco antes, na secção 11, aparece: “Pois o ministério da palavra tem mandamento divino e magníficas promessas”.
      Com respeito ainda a esse artigo da Apologia, há que se destacar o que é dito a respeito da ORDENAÇÃO: “Se se entender a ordem dessa maneira, não nos recusaremos a chamar de sacramento a imposição de mãos”. Expressa a disposição daqueles luteranos em chamar a ordenação de sacramento, pois ela é vista em estreita relação com o Ministério da Palavra. Claro que não é um sacramento igual ao batismo e santa ceia. Falta à ordenação uma clara ordem divina, embora o precedente da prática apostólica. Não tem um elemento visível, nem confere graça. Lutero não via a ordenação em termos sacramentais. Com o passar do tempo, os luteranos passaram a considerar a ordenação como um rito da igreja que atestava o chamado para o ministério público. Precisamos tomar cuidado para não transformar a ordenação simplesmente na prática de um costume ritual. Com um chamado alguém é ordenado para o ministério, recebendo, então o “dom do ministério”, o qual foi instituído por Deus e nele está presente o evangelho (1Tm 4.14) “o dom que te foi dado ... com imposição das mãos do presbitério”. DOM aqui significa o ministério que foi confiado a Timóteo e não uma certa qualidade que passaria a existir dentro dele. É um chárisma!
      As Confissões, portanto, atestam que pastores não podem entrar no Ministério Público da Palavra sob autoridade própria. O ministério deve ser entregue a alguém através de um chamado mediato da igreja. POR ISSO, NÃO ESQUEÇAMOS DE QUE DEUS ESCOLHEU AGIR ATRAVÉS DE INDIVÍDUOS DE SUA IGREJA. QUANDO ELE USA PASTORES ORDENADOS COMO VEÍCULOS DE SUA PALAVRA E DOS SACRAMENTOS, TANTO OS PASTORES, COMO TAMBÉM AQUELES A QUEM ELES SERVEM, PODEM CONFIAR DE QUE O ESPÍRITO SANTO ESTÁ INTIMAMENTE AGINDO.
      A CA V define o ministério em relação à doutrina da justificação pela fé, enfatizando a necessidade dos meios da graça como canais pelos quais Deus concede o perdão dos pecados, vida e salvação. A CA XIV conecta o ofício à igreja (ministério in concreto). A igreja é definida nos Artigos VII e VIII. Pois bem, o Artigo XIV aponta para a maneira correta de alguém ser considerado ministro e publicamente proclamar a Palavra de Deus e administrar os sacramentos. O Artigo XIV também serve contra a acusação de Johannes Eck, no tempo de Lutero, acusando os luteranos de terem entre si leigos realizando a obra do ministério sem terem sido ordenados.
      Vemos aqui o caráter soteriológico do Ofício do Ministério. Nem sempre percebido no contexto atual, porque o ministério por vezes é mais associado aos carismas pessoais do pregador, suas habilidades gerenciais em relação às atividades dos membros ou de persuasão e capacidade de entretenimento dos ouvintes. Nas Confissões Luteranas há uma correlação precisa entre os meios da graça que criam e sustentam a igreja, os sinais que mostram onde está a igreja, e o Ofício do Ministério que serve a igreja. Em cada caso estão presentes a pregação do evangelho e a administração dos sacramentos. Este é o ofício e nada mais! (CA XXVIII, 85,86; AE III, X, 2). O pastor pode criar novas ordenanças na igreja e, em si, não há nada de errado nisso, desde que possam ser observadas por amor à paz e à tranquilidade (Ap XXVIII, 53-57), tais como mulheres cobrindo suas cabeças com véus (I Co 11.5). Mas não é pecado omitir tais coisas e as consciências não devem ser afligidas com isto (Ap XXVIII, 15-17). O OFÍCIO É CLARAMENTE DELINEADO E LIMITADO. NÃO É NADA MENOS NEM NADA MAIS DO QUE A PREGAÇÃO DO EVANGELHO E A ADMINISTRAÇÃO DOS SACRAMENTOS. O MINISTRO QUE DEIXA DE FAZER O QUE O OFÍCIO REQUER, FALHA EM LEVAR ADIANTE AS FUNÇÕES DO SEU OFÍCIO. SE ELE ACRESCENTA ALGO ALGO AOS SEUS DEVERES MINISTERIAIS, ELE VIOLA O OFÍCIO.
      Não existe chamado para um ofício que não seja o de pregar o evangelho e ministrar os sacramentos. Não há chamado para o serviço social, ação política, obras de caridade, ou quaisquer outras funções. Isso pertence ao ofício da vocatio caritatis, que pertence a todos os cristãos. Cabe ao ministro executar o ofício público de pregar o evangelho. Tudo o que deve fazer é promover o ministério: quando estuda, interpreta e explica a Bíblia, quando ensina, dá instrução aos confirmandos, conforta, admoesta ou aplica a Palavra de Deus (2Tm 3.16ss; Rm 15.4). Tudo isso pertence ao mandato do Ofício. O pastor serve com a Palavra, guia e julga pela Palavra; com a Palavra ele atende o povo de Deus que Cristo purificou com o seu sangue e que foi confiado a ele e ele prestará contas (Tr 4.30; FC DS X.10). Para reflexão: continua claro para a igreja o caráter soteriológico do Ofício do Ministério? Não estará o Ofício sendo visto por muitos segundo formas equivocadas de vê-lo? Estaremos nós, pastores, concentrando todo nosso zelo e amor no caráter soteriológico do Ofício? Ou, sabe-se lá por que razões, minimizamos tal caráter do Ofício e o consideramos um pouco mais do que uma mera profissão e assim nos contentamos com um simples cumprir de nossas obrigações? Até que ponto isso tem influenciado para o surgimento da moção que propõe chamado temporário?
      Antes de simplesmente jogar pedras nos nossos congregados que propõe chamado temporário, por que não, primeiramente, recuperar a clareza, a nobreza e o significado do Ofício do Santo Ministério junto ao nosso povo? Não tenho nenhum receio de afirmar que, em muitos casos, as congregações olham muito mais para a pessoa do pastor do que para o Ofício. Vamos ajudar nossos irmãos a olhar na direção correta? O Ofício não está colocado “sobre” a Igreja, nem “sob” a Igreja, mas “na Igreja”. Ele “pertence” à Igreja (1Co 3.21-23 e Ef 4.7-11) não como uma propriedade, mas como dádiva de Cristo para seu povo (Tratado ... 67). Por isso, a igreja não pode fazer o que quer com o Ofício e com aqueles chamados para exercê-lo!!! E os pastores .... em muitos casos também não estão olhando mais para sua própria pessoa do que para o Ofício? Não estaria aqui a razão para que em alguns casos, não todos, evidentemente, um pastor ficar tão pouco tempo num lugar?

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