sábado, 22 de setembro de 2018

2018 - A Doutrina do Santo Ministério (Nerbas) - 3

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     Este foi o material que o Prof. Dr. Paulo Moisés Nerbas preparou e que serviu de base para os 4 dias de discussão sobre a Doutrina do Santo Ministério.

3) A Palavra e o Ofício público

      Visto antes que a CA XIV conecta o ofício à igreja e aponta para a maneira correta de alguém ser considerado ministro e pregar publicamente a Palavra de Deus e administrar os sacramentos. Precisa haver um “chamado regular” (ordentlichen Beruf; rite vocatus) para alguém publicamente ensinar ou pregar ou administrar os sacramentos na igreja. Algumas reflexões a partir disso:

  • O que significa “ordentlichen Beruf e rite vocatus”? Apenas alguém que foi CHAMADO E ORDENADO. A pregação pública da Palavra e administração dos sacramentos está amarrada ao “rite vocatus”. Não se trata de negar o poder da Palavra e a eficácia dos sacramentos em si, caso oficiados por alguém sem chamado nem ordenação, mas em se submeter a algo estabelecido pelo próprio Senhor da igreja, Jesus Cristo, que prendeu o “publicamente” aos apóstolos.
  • A Palavra de Deus não é algo mágico, como se fosse possível usá-la e as coisas acontecessem. Deus age pela Palavra e sacramentos quando estão em ação da forma instituída por Deus. Por isso, não será absurdo alguém perguntar: “Estará agindo Deus numa ação onde, mesmo aparecendo a Palavra e os sacramentos, acontece de forma não autorizada pelo Senhor”? Vamos um pouco mais adiante. O pastor no exercício de seu Ofício não age em lugar de Cristo, mas Cristo age através do oficiar do pastor, porque a ação de Cristo se dá pelo Ofício e só alguém habilitado para ocupar o Ofício pode ser canal da ação de Cristo. Por isso, visto que ninguém está agindo “em lugar de Cristo”, mas autorizado por Cristo, quem não tem tal autorização não se constitui em canal da ação de Cristo. No Ofício do Ministério é o Senhor Jesus quem está realmente perdoando pecados, alimentando o povo e proporcionando crescimento saudável pra ele, povo. Aquele que está no Ofício, não se encontra lá em seu próprio nome, mas em nome do Senhor. Seu papel não é o de um técnico (treinador) que providenciará instrumentos para preparar o povo de Deus para trabalhar. Sua função é outra: entregar às pessoas, por ordem do Senhor, os meios pelos quais o Espírito Santo as trará à fé e as conservará na fé em Cristo.  Devido a isso, concordemos ou não, mas tal pensamento não é absurdo, há quem diga que, se um leigo consagrar os elementos da santa ceia, ao pronunciar o “isto é o meu corpo”, não é o corpo de Cristo o referente, mas seu próprio corpo, pois não é o Senhor Jesus Cristo que está ali falando, mas o leigo que lá se encontra. Pergunto então: por que oficiar em cima de uma dúvida?
  • Bênçãos proferidas: não se sabe de onde surgiu o costume de se convidar a diretoria paroquial para impor também as mãos sobre o pastor que está sendo instalado, ou, no caso de um casamento, convidar pais e padrinhos para participarem da bênção aos noivos. No eventos da IELB observamos vários pastores impondo as mãos e abençoando os fiéis. Haverá problema teológico aqui? Sim! A bênção não parte do pastor para alguém, nem das pessoas (diretoria, pais, padrinhos) para alguém. A bênção pública é pronunciada por Deus pela boca daquele que está autorizado no ofício a fazê-la. Ela acontece publicamente e, portanto, precisa ocorrer dentro do “rite vocatus”. No caso de vários pastores abençoando (bênção poderosa kkkkkkk....; fica bonito na foto) é um ato sem nenhuma significação teológica ou soteriológica. Refiro-me à presença de mais de um pastor. Como a bênção vem de Deus e é proferida por ele, uma voz falando ou cinquenta vozes tem o mesmo resultado.
  • Casos de necessidade: o que se entende por “necessidade”? Para os luteranos, necessidade sempre se referiu a uma situação na qual os cristãos não tinham outro caminho para serem servidos com o evangelho. Lutero, em uma de suas cartas ao povo de Praga, ordenou às mulheres que batizassem seus filhos e aos leigos a exercerem o ofício ministerial da melhor forma possível (mas não celebrar a santa ceia) nos tempos de necessidade, isto é, sob a tirania do papa e de seus bispos.
  • Ordenação: os luteranos entendem a ordenação como a colocação no ofício do ministério. É entendida da seguinte forma: a confirmação da Igreja de que um indivíduo foi preparado para o ministério por Deus e chamado por meio dela. Em At 20.28 encontramos o verto “títheemi”: “o Espírito Santo os colocou como bispos. Em 1Tm 4.14, o “dom” recebido é o Ofício conferido na ordenação, uma dádiva de Deus, e não o reconhecimento de qualidades (dons) na pessoa. O apóstolo Paulo utiliza por vezes o termo “chárisma” para se referir ao seu ministério apostólico (Rm 1.5; 15.5; 1Co 15.9-11 e Ef 3.7,8). O ministério, o dom recebido por Timóteo, segundo Paulo, está “em ti”. Há, portanto, um caráter pessoal na dádiva divina, a qual se torna localizada na pessoa que a recebe. Poderíamos, então, afirmar que sem a ordenação ninguém está no ministério.
    A forma verbal “édothee” encontra-se no aoristo passivo (1Tm 4.14). Como não há indicação específica do agente da passiva (aquele que é o sujeito da ação de dar), isso aponta para uma obra de Deus e indica ser um ato único e não repetível. Trata-se do chamado “passivo divino”, utilizado também em Mt 28.16. O papel de Deus como aquele que concede é claramente confessado por Paulo nas palavras a Timóteo (2Tm 1.6): “tò chárisma toû Theoû”. Timóteo recebeu o dom em conexão com (metá) a imposição de mãos pelo presbitério (1Tm 4.14) ou mesmo “por meio” (diá) da imposição de mãos de Paulo (2Tm 1.6).
    A ordenação, portanto, não se trata apenas de um rito inventado pelas pessoas. Se fosse só isso, não passaria de um costume eclesiástico. Pelo contrário, é o próprio Senhor que atua ao colocar alguém no ofício de pastorear seu rebanho (At 20.28; 1 Tm 1.12; 1 Co 12.28). A participação da Igreja como um todo, bem como a assembleia de crentes em um determinado local, é uma prática seguida pelos luteranos. A participação da Igreja no evento da colocação de alguém no Ofício acontece tanto através do papel do “presbitério” (aqueles que já estão no ministério da Palavra, na ordenação, bem como pela escolha (eleição) e recepção do ministro de Deus por parte do povo de Deus, que será servido com Palavra e sacramentos por intermédio do ministro. Na ordenação, a pessoa devidamente habilitada é colocada de modo público no Ofício. Devidamente habilitada significa reconhecida pela Igreja como tanto: formada no Seminário próprio ou de igreja-irmã; corretamente chamada.

      Parece-me que o exposto até aqui nos revela a razão por que a ordenação acontece só após alguém receber um chamado.
      A importância dada ao ministério não é geradora de autoritarismo por parte daqueles que são chamados ao Ofício. Há um só Senhor, Jesus Cristo, e sua obra de redenção do mundo é a razão de existir do Santo Ministério. A Igreja é servida por esses instrumentos que Cristo, em sua graça, concede a sua noiva neste mundo. Por isso também não se pode admitir um posicionamento em outro extremo, aquele em que o ministro da Palavra é considerado um funcionário da congregação, cuja atuação é regida por uma legislação humana ou um pensamento “democrático”. Quando se trata da proclamação do Evangelho e da administração dos sacramentos, o ministro deve ser ouvido assim como se Cristo diretamente estivesse tratando conosco (Lc 10.16). O ministro, por sua vez, deve ter sempre em mente que o rebanho não pertence a si, porém ao Senhor.

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