terça-feira, 10 de setembro de 2019

Ministério - Exemplo de Ordenação

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Exemplo de Ordenação de um Legítimo Bispo Cristão Ocorrida em Naumburgo em 20 de janeiro de 1542[1]

Introdução

No dia 20 de janeiro de 1542 aconteceu a ordenação de Nicolau von Amsdorf[2] como bispo da cidade de Naumburgo, coordenada por Martinho Lutero. No presente escrito, ele justifica esta iniciativa de maneira teológica agressiva[3]. Sobretudo, assevera o anúncio livre da Palavra de Deus e a sua supremacia, que se manifestam na substituição de um bispo, escolhido pela lei canônica vigente, mas contrário à Reforma[4]. Bispo papista é lobo, conforme Jo 10.12[5] e cabido que o elege não é cristão, nem possui legitimidade nenhuma na cristandade[6]; em decorrência, não se pode jurar fidelidade ao bispo nem este tem o direito de exigi-lo[7]. Lutero insiste no fato de que reina comunhão entre Igreja e bispo e “a Igreja está disposta a ouvir o bispo e o bispo está disposto a instruir a Igreja”[8]. O referido escrito foi publicado a pedido expresso dos edis de Naumburgo e do príncipe-eleitor João Frederico, no intuito de servir a ação toda de exemplo de como preencher vacâncias episcopais de forma evangélica e de resolver de maneira responsável questões jurídicas e financeiras das fundações eclesiásticas[9]. Já em março de 1542, começou a distribuição da publicação.
A. Baeske

Doutor Martinho Lutero
Uma vez mais, nós pobres hereges cometemos grande pecado contra a infernal Igreja acristã do infernalíssimo padre, o papa, quando ordenamos e consagramos um bispo na Fundação de Naumburgo, sem qualquer crisma, e também sem manteiga, banha, toucinho, breu, gordura, incenso, brasas e o que mais há de grande santidade dessa espécie. Além disso, o fizemos contra a vontade deles, contudo não sem sua ciência. Por esse grande e horrível pecado gostaríamos de pedir humildemente indulgência e perdão. No entanto, faltam-nos os dois principais elementos da penitência[10]. Em primeiro lugar, porque não nos arrependemos nem podemos arrepender-nos desse grande pecado, nem o lamentamos, visto que, sem arrependimento e pesar, não pode haver perdão de pecados, ainda que fosse vendida a indulgência papal com todo seu infinito comércio e tesouro, ou concedido de graça. Por outro lado, também somos tão fracos na fé (embora eles talvez falem de obstinação) que simplesmente não podemos crer que eles pudessem perdoar-nos esse horrível pecado. Se, todavia, alguém não crê no perdão dos pecados, eles não lhe poderão ser perdoados. Portanto, temos que permanecer diretamente e para sempre desesperados nesse pecado, condenados, sem qualquer graça e misericórdia por parte do infernalíssimo papa. Amém. Que Deus nos ajude. Amém.
Embora tivemos que fazer árdua penitência suficiente por mais de vinte anos por esse pecado ou pecados semelhantes, que admitimos abertamente, confessamos e reconhecemos publicamente, quando derramaram nosso sangue com assassinar, enforcar, afogar, decapitar, incendiar, assaltar, desterrar e toda sorte de suplício, ainda por último, nos torturaram pelos incendiários Mogúncia e Henrique[11] (como, aliás, perseguir a Deus convém a grandes santos papais como estes). Disso, eles, os castos e puros santos, e não nós (graças a Deus!) deverão e haverão de prestar contas naquele dia. Pois, em contrapartida, também para eles está preparado um fogo que não se poderá apagar como, por fim, o fogo deles [232] haverá de ser extinto. Nós estamos em vantagem (graças a Deus!), apenas peço que os incendiários, papa, Mogúncia, Henrique, juntamente com suas escamas[12], não o creiam. Pois, por que iriam pensar que existe um Deus, ao qual deveriam temer e perante o qual deveriam tremer, e lá chorar e arder eternamente? Que se vão! Eles estão no caminho certo.
Não que com isso eu os estivesse ridicularizando, valha-me Deus! A não ser que o Espírito Santo o faça através de minha pena, como diz Salomão em Provérbios 3[.34]: “Ele zombará dos zombadores, e concederá graça aos humildes”. No mais, de fato não o deveria fazer e também jamais o fiz, a não ser por palavras. Pois sei que eles têm cartas e selos contra isso, dejetos e dejetais[13], bulas e livros aos montes que o proíbem ao máximo e com rigor.
No entanto, queremos falar um pouco sobre o assunto com vistas àqueles outros que gostariam de conhecer nosso pensamento, nossa opinião a respeito. Pois o caso em si é público e conhecido e, talvez, será relatado por outro[14], Naturalmente, há de se perguntar se tivemos o direito e a autoridade de escolher outro bispo, contrariando o direito de livre escolha do cabido (como é chamado), e, desse modo, destituí-los de seu direito de livre escolha e privá-los de suas possessões; e se os membros e estamentos da Fundação puderam prestar homenagem e juramento a um outro, sem violação de seu juramento e dever prometidos ao cabido no caso do bispo falecido (como dizem). Por fim, há de se perguntar se é correto receber a consagração e a ordenação das mãos desses malditos hereges.
Quero deixar para os especialistas em direito eclesiástico a discussão sobre o assunto, do qual não tenho conhecimento, nem o quero ter. Quero falar a respeito na qualidade de [233] teólogo, ou (visto que assim o desejam) como herege e papista cismático.
A resposta à primeira pergunta se dá de modo breve e fácil através dos três primeiros mandamentos: Não terás outros deuses; Não abusarás do nome do Senhor teu Deus; Santificarás o dia de descanso[15]. Nosso Senhor Jesus Cristo explica isso do seguinte modo em Mt 7[.15]: “Precavei-vos dos falsos profetas, que vêm em peles de cordeiro, mas por dentro são lobos vorazes”, etc. Pois aqui não se fala de pecados proibidos na segunda tábua de Moisés, mas do deus falso, do culto falso, do uso falso do nome de Deus, da falsa santificação da sua Palavra. E aqui não se trata de palavras obscuras, que necessitassem de explicação, mas o próprio Deus sentencia de modo simples e claro e diretamente que não se deve ter outro deus, invocar outro deus, ouvir outro deus. Ele quer ser exclusivo (como, aliás, é), quer ter seu nome exclusivo (como, aliás, há de tê-lo), somente ele quer pregar e ser ouvido (como, aliás, é justo e o que se deve desejar a nós pobres humanos); a isso Cristo nosso SENHOR chama de “precaver-se de falsos profetas”, quer dizer, os que pregam um deus falso, um uso falso do nome de Deus, culto e Palavra de Deus falsos. Além disso, proíbe-o a tal ponto e faz ameaça tão severa que, se honrarmos, louvarmos e ouvirmos outros deuses, ele não o esquecerá nem deixará impune até a terceira e quarta geração[16].
Pois bem. Se isso for verdade, como, aliás, nós, que queremos ser cristãos, não podemos duvidar (que o papa e o diabo duvidem disso, eu não os impedirei!), então não somente bispo e cabido de Naumburgo, mas também papa, cardeal e tudo que existe em seu regime, não apenas estão depostos com esse trovão do juízo divino, mas condenados totalmente ao inferno em eternidade, juntamente com todos os que lhes obedecem. E nós, que lhe somos submissos, estamos igualmente proibidos, sob ameaça do mesmo fogo infernal, de ouvir e tolerá-los, mas devemos evitá-los e fugir deles, como diz nosso SENHOR: “Precavei-vos” [Mt 7.15], e Deus diz através de Moisés: “Não terás outros deuses” [Êx 20.3].
Ora, onde Deus ordena a um profeta, pregador, bispo ou qualquer pessoa que exerça o regime espiritual, que não ensine (se quiser honrar e ensinar outros deuses), ele, naturalmente, está impedido e destituído de seu bispado [234], não por papa ou imperador, também não por anjos, mas pela própria altíssima, eterna majestade divina, visto que sentencia e troveja: “Não terás outros deuses, nem abusarás de meu nome” [Êx 20.3,7].
Deste modo, pois, onde Deus ordena que os cristãos não deem ouvidos a esses falsos profetas, pregadores e bispos, aí bispo e bispado estão separados, o bispo está destituído, o bispado lhe foi tirado, e não apenas é permitido (isso seria algo comum!), mas estamos obrigados pelo mandamento de Deus a nos separarmos dele e não mais considerá-lo bispo, mas um lobo, sim, até mesmo um diabo. Tudo isso não é palavra ou opinião minha (que tenho que passar por herege), mas palavra e severo mandamento do próprio Deus, confirmado sob ameaça e ira, quando diz: “Não terás outros deuses” [Êx 20.3], em Mt 7[.15]: “Não deis ouvidos aos lobos, mas precavei-vos deles.”
Se apesar disso, alguém quer ser bispo de Naumburgo, que ali não deve nem ode ter povo nem Igreja (porque é lobo, e a Igreja tem o dever perante Deus de fugir dele), que se denomine bispo no papel, no entanto, que seja eternamente condenado perante Deus e a Igreja. Por outro lado, os que querem ser Igreja desse bispo lhe dar ouvidos, que o façam (eu não os impedirei), desde que saibam que são Igreja cristã como os judeus e os turcos, condenados ao fogo do inferno juntamente com seu bispo. Pois aqui está a sentença: “Não terás outros deuses”, ou: “Serei um Deus zeloso”, etc. [Êx 20.3,5]. Quem não teme a esse Deus, que faça o que quiser, mas até quando o fará se mostrará em breve.
Quanto a isso, poder-se-ia aduzir mais outras passagens da Escritura, mas deveria ser suficiente quando se sabe um dito da soberana majestade de Deus, no qual revela sua vontade, o que quer que seja ordenado e o que, proibido. No entanto, para que os papistas não pensem que nos estamos jactando com um ou dois ditos, para acalmar o povo, queremos aduzir mais alguns, aos quais tampouco poderão resistir. Assim diz o SENHOR em João 10[.27]: “Minhas ovelhas ouvem minha voz, mas ao estranho não seguem; antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos”. Idem: “Conheço os meus, e sou conhecido deles” [Jo 10.14].
Elas fogem dos estranhos, diz ele, e não conhecem a voz dos estranhos. Em nossa língua, isso significa que as ovelhas ou igrejas [235] devem fugir dos estranhos e evitá-los. E, com efeito, fazem bem, porque na mesma passagem o SENHOR chama a esses estranhos de ladrões e assassinos, que outra coisa não sabem fazer senão roubar, matar e assassinar. As ovelhas, porém, não lhes deram ouvidos. Se devem fugir, evitá-los e não lhes dar ouvidos, certamente têm o poder e direito de destituir seu bispo-lobo, pelo fato de terem o poder e o direito de não lhe obedecer, muito antes (como dito acima), pelo mandamento de Deus têm a obrigação de lhe resistir, que dirá obedecer-lhe. Onde, porém, falta a obediência, o bispo deixa de existir, porque sem obediência não poderá existir povo, Igreja, congregação.
Assim também falou a seus bispos ou sacerdotes por meio de Oséias 4[.6]: “Visto que rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeito: não serás meu sacerdote”[17]. Se não queres falar a meu respeito e rejeitar minha Palavra, também eu não quero ser teu Deus, e também não poderás ser meu sacerdote ou bispo. Analogamente isso significa: quem quer ser bispo de outros deuses, também não haverá de ter por Deus o Deus verdadeiro. Quem não quer falar do verdadeiro Deus, que fale do diabo, a saber, que seja bispo do diabo; a meu ver, isso significa uma enorme separação entre bispo e bispado, que o bispo está deposto e que é proibido obedecer-lhe, porque rejeita e persegue a Palavra de Deus (para a qual unicamente é chamado).
E quem poderia recriminar o amado e bondoso Deus por rejeitar esses bispos ou pregadores falsos em sua Igreja e proibir que se lhes dê atenção? Pois é o diabo que faz isso por meio do papa, Mogúncia, Henrique e semelhantes, destituindo, rejeitando e desterrando (inclusive matando, afogando, enforcando, assassinando incendiando, etc.) a todos que não querem pregar a sujeira e as mentiras de sua fedorenta cloaca infernal. E o verdadeiro Deus deveria tolerar tudo isso por parte do diabo, e teria que admiti-lo em sua Igreja, e não afastar o que o diabo nela estabelece e lança? Esse, na verdade, seria um Deus miserável.
E por que fazer tantas palavras? Observem-se todos os profetas, como eles destituem, proíbem, impedem que se ouçam falsos profetas; também como afastam o povo dos sacerdotes instituídos, apesar de terem sido sacerdotes de Deus. Visto, porém, que ensinavam falsamente, não se lhes deveria dar ouvidos, e nem eram sacerdotes. Pois, como dizem os apóstolos, “é preciso obedecer mais a Deus do que aos homens” [At 5.29]. E não apenas se distanciaram [236] dos sacerdotes, mas pregaram contra eles, afastaram deles o povo, estabelecendo uma Igreja obediente a Deus. Também sofreram o que tinham que sofrer, e não se importaram com a autoridade instituída — com o fato de o sacerdócio e o bispado ou papado ter sido instituído em Jerusalém pela lei de Moisés, confirmada por Davi, Salomão e todos os reis e profetas há tantos anos. Não havia necessidade de eles perguntarem por essas coisas, porque neste ponto surgia a desavença sobre a importante questão se a Palavra de Deus deve ser desprezada ou ouvida, ou seja, se se deve ter ou não ter outro deus. Disso se conclui, segundo o primeiro mandamento: a gente deve e tem que obedecer somente a Deus. Se Caifás, Anás, Pilatos, Herodes, o imperador e o mundo inteiro não querem aceitá-lo, que importa isso? Que se vão! Tu, porém, foge, e obedece a Deus, pois ele é juiz nesta questão por meio de sua Palavra, ele “derruba os poderosos do trono, dispersa os orgulhosos”, como canta Maria, a mãe de Deus, em seu santo Magnificat [Lc 1.52,51]. Quem não quer ouvir a Deus, já está perdido, expulso de seu Reino. Maldito o que lhe segue e não foge dele, nem o abandona.
E que faz o próprio infernalíssimo padre em sua Igreja infernal? Acaso não destitui todos os bispos, abades, pastores e quem quer que tenha um cargozinho em sua Igreja, quando os considera hereges ou mestres dissidentes de seu deus Maozim[18]? Faz proibições às pessoas, dispensa-as da obediência, de deveres e juramentos que fizeram, sim, até mesmo os enaltece e presenteia com indulgências e graças, para que se afastem desse herege e o deixem; ordena-lhes que o persigam como condenado pela Igreja, que o queimem e amaldiçoem até o abismo do inferno, como procedeu com o santo e verdadeiro bispo de Praga, João Hus[19], e com muitos de nossas fileiras.
Ele ainda vai além: interfere no regime secular e doméstico [237] (o que não compete nem ao bispo, nem à Igreja), destitui imperadores, reis e príncipes, divorcia marido e esposa, destrói o matrimônio, anula a obediência, dever e juramento, embora aí não se constate heresia, mas somente desobediência contra suas dejetais[20] arbitrárias e diabólicas e suas malditas bulas. Tão pura e sólida quer ter sua Igreja. Pois, embora Deus e seus apóstolos e profetas, e também a verdadeira Igreja, rejeitem, destituam, evitem os hereges ou bispos e Igrejas falsos, eles não interferem no regime secular ou doméstico; deixam reis ser reis, matrimônio, matrimônio; estamentos, estamentos; corpo, vida, bens, honra, etc., como também nós procedemos até agora (Deus é nossa testemunha!), por mais que nos afastássemos do papa e o evitássemos, arrancássemos o povo do papa por meio da Palavra de Deus, que ele não quer ouvir nem tolerar.
São estas as coisas (afirmo eu) que o papa faz em sua Igreja: destitui bispos e cabidos que considera hereges, e acha que desse modo procedeu de forma excelente e justíssima. E o verdadeiro, legítimo Deus eterno deveria tolerar em sua Igreja os que blasfemaram consciente e publicamente sua majestade divina e seu nome, que seduziram seu povo, destruíram seu Reino, colocaram o diabo em seu lugar e o adoraram? E não deveria apenas tolerar essas coisas (como faz muitas vezes), mas considerá-las boas e justas, aceitar e recompensá-las? Jamais empreender qualquer coisa contra isso, nem expulsar, finalmente, o diabo, purificar sua Igreja e nomear verdadeiros bispos e mestres? Nesse caso, com efeito, deveria ab-rogar, primeiramente, em especial, os primeiros três mandamentos, renunciar a sua verdadeira divindade e negá-la por completo. Aí podes esperar um bocado, até que ele faça isso! Ele não poupou os anjos nem o antigo mundo, diz S. Pedro [2Pe 2.4s.]. Não poupou eternamente sua cidade Jerusalém e seus rebentos e membros naturais, da linhagem de Abraão, e agora haveria de poupar eternamente o diabo e seus membros, e recompensá-los?
Com efeito, o cabido de Naumburgo recebeu essa admoestação, também na época do bispo duque Filipe da Baviera[21] e conde palatino, etc., ou, muito antes, lhe foi encaminhado um reverente requerimento contra seu regime voraz, no sentido de que permitissem que fosse ensinada a Palavra de Deus, visto que eles próprios, que tinham esse dever, não o queriam fazer nem providenciá-lo. No entanto, eles sabem muito bem, se tiverem consciência, como reagiram, resistiram, perseguiram e (a verdade seja dita!) cometeram toda sorte de arbitrariedades, até que os de Naumburgo e Zeitz, além de outros estamentos da Fundação, se viram obrigados a apelar a seu patrono hereditário e príncipe territorial[22]. Assim, com sua [238] ajuda e patrocínio, o santo Evangelho retomou, contra a vontade do cabido[23]. Não obstante, também posteriormente a ira do cabido papista e de seu blasfemo séquito idólatra, cortesões e de alguns chapéus grandes, altos e largos não apenas continuou irrestrita, mas recrudesceu mais e mais, à medida que o tempo passava (do que nada me compete saber, porque não sou profeta como Eliseu)[24].
Pois jamais fiz parte de seu celestial conselho. Mas sei mais ou menos o que pensaram e planejaram entre si. A não ser que em Naumburgo se tivesse criado um cabido, no qual a descendência da mulher e a descendência da serpente se tivessem reconciliado secretamente, sem a ciência de Deus Pai onipotente, e eu me tivesse enganado. Do contrário, estou esperançoso que isso não acontecerá, e a descendência da mulher permanecerá eternamente em discórdia e inimizade com a descendência da serpente; além disso, uma compreenderá as maquinações e os pensamentos secretos da outra. De forma que a descendência da mulher está em vantagem. Ela dominará, de modo que seu conselho e pensamento secretos somente serão revelados à serpente quando tudo já estiver consumado e realizado, e eles estiverem derrotados. Por outro lado, a serpente com toda sua descendência e séquito só podem ocultar e mascarar seus elevados sábios planos até o momento em que começarem a pô-los em prática. Assim se cumpre o que diz o Saltério: “Não chegarão à metade” [Sl 55.23]. Pois recordo muito bem a palavra dita por um cortesão: “Que conversa é esta! O papa é mais poderoso com seu dedo mindinho do que todos os príncipes da Alemanha”. Estou inclinado a crer que o cabido de Naumburgo e outros mais confiaram e ainda confiam nesse poder. É assim que têm que falar os grandes quando estão no fim e prestes a cair, segundo o cântico da mãe de Deus: “Derruba do trono os poderosos” [Lc 1.52].
Pois a causa do homem soberbo, seja ele imperador, rei, príncipe, senhor, nobre, burguês ou camponês, seguramente terá seu fim. Porque Deus não pode nem quer tolerar soberba, diz São Pedro: “Deus resiste aos soberbos” [1Pe 5.5]. Aliás, ele tem poder [239] e autoridade suficiente para derrubá-los, como procedeu até agora com muitos grandes reinos. No entanto, quem não dá ouvidos há de experimentá-lo [no próprio corpo], como o experimentaram todos eles.
O Império Romano teve que ruir quando estava no auge e quando [os romanos] se ensoberbeceram e tinham a certeza que se diria: “Estabeleci um império sem fim”[25]. Com efeito, também conforme a Sagrada Escritura, esse foi o império de ferro[26], e o mais poderoso, como o mundo jamais o conheceu. E é verdade: os romanos foram gente em comparação aos quais outros guerreiros eram guerreiros comuns, e os turcos, verdadeiras mulheres, apesar de sua grande arrogância. Os romanos não pelejavam com artimanhas, artifícios e ardis, mas encaravam o inimigo corajosamente de frente, avançavam e arriscavam, como convém a esse povo de ferro (assim denominado por Deus), inclusive quando derrotados e em situação desesperada. Dos turcos e gregos não se afirma isso, nem de Aníbal[27] ou de outro guerreiro qualquer. Não obstante, tiveram que ir à ruína.
Por essa razão, também nossos bispos e cônegos deveriam moderar sua obstinação, pois ainda vive o Deus que destroçou os férreos romanos. Evidentemente, ele também será capaz de destroçar um papa, bispo, cônego carnal, de papel, se isso já não aconteceu, especialmente no conselho dos irim[28], como os denomina Daniel, ou seja, no conselho dos anjos que governam o mundo e protegem as Igrejas. Também o turco não irá mais muito longe, porque se tomou demasiadamente arrogante com os humildes cristãos. Os irim lhe haverão de dar o que merece. Disso, porém, não queremos escrever agora.
Assim, o cabido de Naumburgo recebeu, depois de terem escolhido novo bispo, com o fito de preservarem seu livre direito de escolha e fortalecê-lo mais do que antes, como advertência especialmente insistente, expressa honestamente e de modo cristão pelo príncipe territorial e patrono, no sentido de que a pessoa eleita, simpática aos papistas e inimigos e comprometida com eles, não deveria ser tolerada nem aceita. Por isso solicitou com clemência que eles, do cabido, escolhessem outro homem, um cristão, que não fosse simpatizante do papa nem comprometido com ele, ou que ao [240] menos se tivesse livrado do compromisso por meio da Palavra de Deus (que inclusive redime do inferno e da morte, quanto mais de um falso juramento idólatra). Eles, porém, desprezaram essa solicitação e insistiram em sua eleição já realizada, e se propuseram a mantê-la em oposição e contra o príncipe-eleitor e patrono. Agora estão obstinados ambos, a Igreja de Naumburgo juntamente com os estamentos e o príncipe territorial e patrono. Não querem ouvir nem reconsiderar, mas instalar no aprisco de Cristo em Naumburgo o lobo, isso é, o papa, Mogúncia[29] e seus companheiros, na pessoa do bispo eleito, que prestou juramento ao papa e está comprometido com Mogúncia; querem mantê-lo ali, ajudar a matar as almas, expulsar a Palavra de Deus e causar ao príncipe territorial um desgosto após o outro no bispado, especialmente nestes tempos difíceis. Acaso deveria ele, como patrono do bispado e do cabido, dar cobertura a tudo isso e apoiá-los nisso? Ou seja: ele deve ajudar a perseguir o Evangelho, adorar o diabo, permitir que, sob sua proteção, o papa, Mogúncia e cortesãos façam suas intrigas, atraiçoem e façam tudo o que quiserem, tanto contra a Igreja de Naumburgo quanto contra o patrono do bispado que, afinal, ambos aceitaram o Evangelho e o confessaram publicamente perante Deus e o mundo, contra o papa e seus seguidores. Com efeito, isso se deveria deixar passar impune a um cabido papista e inimigo público da Fundação e de seu patrono, ou seja, da Igreja e do Evangelho, e ainda ajudar a defendê-lo! Isso, na verdade, significa exigir uma grosseira, grande e desavergonhada incastidade: por causa dos filhos do diabo e gente malvada, eu deveria negar e perseguir o Evangelho que tivesse aceito e confessado por amor de Deus, para a salvação de minha alma, a fim de que eu fosse sorrateiramente enganado. Depois de ter confessado publicamente o Evangelho por meio de palavras, de repente se revelaria que o teria negado secretamente e consentido em sua perseguição! Há mais de vinte anos estão fazendo esse jogo conosco. Mas Deus esteve de nosso lado, e o intento deles teve que fracassar.
Tive que rir da grande artimanha, quando me contaram que, depois de o cabido de Naumburgo haver eleito secretamente um novo bispo [241], eles o comunicaram ao príncipe territorial, no entanto, sem mencionarem a pessoa. Não obstante, solicitaram a proteção para essa sua eleição e seu bispo[30]. Eles sabiam que tinham eleito um nome insuportável para a Fundação ou para a Igreja, bem como para o patrono e príncipe territorial; sabiam que haviam eleito intencionalmente o da oposição e que não seria tolerado. Por que então pedem proteção? Para mostrar que sua intenção não era séria? Com isso zombaram da Igreja e do príncipe territorial, pois sabiam muito bem que o papa (como dito acima) tem mais poder no dedo mindinho do que todos os príncipes alemães; esse decerto os protegeria. Apenas queriam, por forma, segundo costume antigo, dar a impressão que pediam uma proteção a que não davam muita importância, se comparada com o dedo mindinho do papa.
Se, todavia, tiveram intenção séria ao pedirem proteção, por que agem traiçoeiramente? Por que não elegem um que fosse do agrado do patrono e da Igreja de Naumburgo, e que não lhes fosse inaceitável, que merecesse a proteção conforme foram admoestados sinceramente? Acaso pensam que sua esperteza papística secreta é tão profunda e elevada que ninguém seria capaz de perceber e perscrutá-la? Ora no céu existe alguém, presente também cá embaixo em nossos corações, que toma os sábios em loucos, que apanha os inteligentes em sua inteligência, como diz a Escritura[31], visto que esses corações não apenas conhecem a mente e os pensamentos do diabo, mas também os julgam, como diz a Escritura: “O príncipe deste mundo está julgado”, etc. [Jo 16.11].
Disso, creio, haverá de se depreender com suficiente clareza que a primeira questão está respondida, a saber, se é justo que a Igreja de Naumburgo destitua o cabido de seu direito de livre escolha, ao ter escolhido outro bispo. Pois, esta Igreja há muito se desligou da obediência ao bispo e ao cabido e aceitou o Evangelho contra a ordem, proibição e tirania do bispo e do cabido, ou seja, se livrou da obediência ao lobo e ao diabo [242]; pela graça de Deus e com a colaboração do patrono da Fundação e príncipe territorial, destituíram, no mesmo dia, tanto o bispo quanto o cabido de seu regime lobesco (o que foi sua obrigação e ainda é, sob pena de perderem a salvação), separaram-se deles, fugiram deles e os evitaram, como convém a verdadeiros cristãos, segundo o ensinamento de Cristo em Mateus 7[.15]: “Precavei-vos dos falsos profetas”, e em Jo 10[.5]: “Minhas ovelhas não ouvem a voz dos estranhos, mas fogem deles”, como ouvimos acima.
Além do mais, visto que, após a advertência do príncipe territorial, o cabido foi instado a escolher um bispo cristão (pois ninguém queria, naquela ocasião, impedir sua livre escolha e tirar-lhes esse direito; apenas se queria outra pessoa, que fosse aceitável para o ministério episcopal), eles se negaram empedernidos, ninguém lhes tirou o direito de livre escolha senão eles próprios, e não podem queixar-se a ninguém senão a si próprios. E quando se queixam que alguém outro que não eles mesmos os teria privado de seu direito, eles mentem como acristãos e renegados de Cristo. Pois cá está a rigorosa sentença de Deus, da qual ninguém pode escapar: “Precavei-vos de falsos profetas e fugi” [Mt 7.15], isso é, quem quer ser e permanecer um falso profeta, não quer ouvir nem desistir, esse não deve ser ouvido, sob pena de se perder a salvação, mas deve ser abandonado, evitado e condenado e, naturalmente, também demitido e destituído. De sorte que lhes acontece o que se dá com todos os falsos mestres, segundo o Salmo l[.4s.]: “Como o vento dispersa a palha, os ímpios não prevalecem no juízo, nem os pecadores na comunidade dos justos.”
E se a Igreja de Naumburgo ainda não o tivesse feito, ainda estariam no dever de fazê-lo hoje, ainda que o cabido elegesse dezenas e dezenas de bispos que não poderiam nem quereriam ser bispos cristãos. E a Igreja de Naumburgo deveria dizer: Prezados senhores do cabido, elegei como quiserdes, e tomai a eleger. Elegei mil vezes, vossa eleição não nos diz respeito em absoluto. Ele não será nosso bispo, não podemos nem queremos vê-lo nem ouvi-lo, nem ainda considerar a vós um cabido, até que vos tomeis um cabido cristão e nos deis um bispo cristão. Pois não podemos submeter-nos a vosso regime lobesco, nem abandonar por vossa causa o Evangelho uma vez aceito, negar a Deus, blasfemar seu Filho [243] e, desse modo, ir convosco ao diabo por causa de pecados alheios. E ainda que viesse um anjo do céu[32] e no-lo ordenasse, sim, se sobre cada membro do cabido pousassem dez anjos celestiais, seriam considerados anátema entre nós, e não queremos nem podemos fazê-lo. Pois não convém a nenhuma criatura de Deus agir contra Deus e sua Palavra revelada e vontade reconhecida, a não ser ao miserável diabo juntamente com seus anjos e membros.
E mesmo que da parte do cabido ou de sua parte queiram argumentar que não são lobos, mas prelados espirituais legítimos, desde a antiguidade e que não estão ensinando nem fazendo nada de lobesco em seu regime, etc. Embora fosse evidente que eles próprios sabem que não é assim e que, no caso, falam contra sua consciência, não quero responder agora a isso, até que veja o que têm a dizer a respeito. Então (se Deus quiser), sua sublime arte há de esfregar-se na velha panela e levará a ferrugem que merece[33]. Acho que é suficiente e mais do que suficiente que há mais de vinte anos está provado e demonstrado que não podem ser cristãos (que dirá bispos cristãos) os que proíbem, condenam e perseguem a fé cristã, assassinam, incendeiam, nos ensinam a confiar em obras próprias e que, até agora, não se emendam e ainda não se penitenciam.
Proíbem consciente e arbitrariamente ambas as espécies do Sacramento.
Defendem o artigo altamente abominável da missa.
Proíbem o matrimônio e alimentos, etc.
Quando alguma vez o cabido de Naumburgo se corrigiu e se penitenciou nesses e em outros artigos? Muito antes, acaso não defenderam [seus erros] impenitente, obstinada e conscientemente contra o Espírito Santo, perseguindo, além disso, a Igreja de Naumburgo e torturando-a? E ainda teriam feito coisas piores, se tivesse sido possível, por causa da proteção do príncipe territorial. E agora, como prova e confirmação de seu espírito lobesco, escolhem um bispo para que confirme e apoie seu procedimento lobesco contra a Igreja.
[244] E para falar também de mim pessoalmente: quando estive em Naumburgo, fiquei muito admirado que o senhor Júlio Pflug, homem ajuizado e sábio, e que possui mais outros dons de Deus em abundância, apto até para o papado, tivesse escrito um ofício tão desajeitado[34] aos de Naumburgo, no qual enche a boca, dizendo que aceitou a eleição, ainda que com resistência, e que quer mostrar-se clemente Para conquistar as pessoas, ele deveria ter dito que iria deixar-lhes o Evangelho, o Sacramento, a fé e o que mais haviam ensinado e estabelecido cristãmente até agora; embora não tivesse coragem de defendê-lo contra o papa, quereria, de sua parte, deixar essas coisas intocadas e sem restrição. Nisso, porém, não tocou com uma palavra sequer, visto que sabia muito bem que nessa questão residia o maior interesse da Fundação ou da Igreja (a graça e o domínio, porém, viriam por si só). Isso porque sabe que não somente é suspeito, mas reconhecido como notório partidário do papa, que o sustenta e defende; que isso é intolerável para a Fundação e o príncipe territorial e que, por fim, seria um empreendimento inútil tomar-se bispo com essa mentalidade impenitente. Visto que tanto o cabido quanto o senhor Júlio atacam o assunto de modo tão desastrado e desajeitado em todos os sentidos, eles têm que culpar-se a si mesmos quando as coisas andam de caranguejo; a não ser que testemunhem contra si mesmos e que efetivamente condenem a si mesmos, quanto ao que buscam no bispado. Sem dúvida, não o que serve para a salvação das almas, mas seu proveito próprio, honra e luxo, pondo a perder as almas que Cristo resgatou com seu precioso sangue.
Talvez também convencerão o povo simples e outra gente simplória que ainda não foram reconhecidos como lobos e falsos mestres pela Igreja, mas que são considerados bons cristãos. Com efeito, isso é um discurso sábio e inteligente. Se as ovelhas não devessem fugir do lobo até que os lobos as mandassem fugir por meio de seu concílio cristão e sentença pública, muito em breve o aprisco estaria [245] vazio, e dentro de um dia o pastor não encontraria nem leite, queijo, manteiga, lã, carne, nem mesmo uma pata; isso então se chamaria de pastorear as ovelhas. Que fez Cristo, nosso SENHOR, ao nos mandar e ordenar a nos precavermos do lobo, sem esperar primeiro pelo concílio dos lobos? Pois não somente o rebanho todo, mas cada ovelha individualmente tem o direito e a autoridade de fugir dos lobos, sempre que puder, como, aliás, o faz em Jo 8 [sc. 10.5]: “Minhas ovelhas fogem dos estranhos.”
Como? Acaso eles não têm juristas de seu lado? Acaso todos enlouqueceram e se tomaram tolos? Os juristas de nosso partido e toda a razão dizem que ninguém deve ser seu próprio juiz, como, aliás, o proíbe com muito mais rigor nosso Livro, a Sagra da Escritura. Ora, é sabido que nós nos tomamos a parte de oposição ao papado e eles, por sua vez, a oposição a nós. Quem quer ou deve ser juiz nessa questão? Ninguém está acima do papa ou do papado senão Deus somente, como ele mesmo confessa (a grande contragosto). Ora, aqui Deus é juiz por meio de sua santa Palavra, o que eles próprios têm que admitir. Por que então, não obstante, eles seriam juiz, se constituem uma das partes e confessam que a Palavra de Deus os condena e é contra eles? Acaso creem eles que devemos temer aqueles que se sentem vencidos e condenados pela Palavra de Deus? Seria o caso de nos divertirmos às custas desses tolos, ou de rezar por pessoas tão perdidas, mas temer esses mascarados do diabo - isso não podemos, mesmo que estivessem em jogo corpo, bens ou honra.
Pois eles estão instalados na herança e no que lhes pertence por direito adquirido, isto é, possessorium, praescriptio[35]. Ora, todo o direito afirma que não se deve destituir a ninguém de sua herança, etc. Nesse ponto, as coisas parecem escapar de minha alçada e se tomar perigosas demais. Donde conseguir um bom advogado e procurador? Não obstante, a resposta é simples: [246] Deus é Deus. Ele não admite a nenhuma criatura nem herança nem direito de posse contra si e sua Palavra. Pois ele é eterno, e eternidade excede a toda herança e posse. Do contrário, a serpente simplesmente teria vencido contra Deus, visto que, desde o princípio do mundo, fortaleceu sua descendência contra a descendência da mulher e sempre lhe mordeu o calcanhar, até hoje, e o fará até o fim do mundo.
Caso se tratasse de vacas, quem as iria agarrar pelo rabo, isto é, caso se tratasse de bens temporais e mundanos, aí valeriam a herança e coisas semelhantes. Em questões espirituais e eternas, porém, do que estamos tratando agora, nada valem herança, direito de posse, direito, justiça, santidade, religiosidade, nem mesmo todos os anjos do céu, mas somente Deus é tudo em tudo, a toda hora, em todo tempo, em todo lugar, em todas as pessoas, pois ele há de ser livre, nada tendo a ver com herança e direito adquirido, ou então, tudo será entregue por herança e direito adquirido no inferno, como, aliás, fará de qualquer modo no dia derradeiro. Portanto, nesse caso, calai a boca e deixai de argumentar com vossa herança, direito adquirido, ou como o quereis chamar. A Deus e a este assunto espiritual isso não interessa o mínimo. Que isso vos sirva de orientação. De qualquer forma não dará outra. Ele tem poder de expulsar o diabo a toda hora, nisso não o podeis impedir; igualmente tem o poder de mudar a constituição do mundo inteiro. Para isso não pedirá vosso conselho. Quem quererá prescrever-lhe alvo, tempo, direito, lugar e pessoas, quando é ele que tem que criar, fazer e conceder todas as coisas?
Isso basta quanto à primeira questão, pois quem não tem ouvidos não pode ouvir, e quem é cego não pode enxergar. Quem tem ouvidos ouviu o suficiente com o que expressamos até aqui. Por sentença de Deus está decidido: um lobo não pode ser bispo em sua Igreja cristã. E ainda que imperador, reis, papa e todos os diabos o ordenassem ou quisessem diferente, não podem impedir as ovelhas de Cristo a ouvirem a voz de seu pastor, nem ordenar que obedeçam à voz dos lobos. E mesmo que o tentassem, hão de ser lobos, e sua ordem deve ser rejeitada como os próprios lobos Pois assim o quer Deus, em comparação ao qual todos os imperadores, sim, todos os diabos são um mero nada, como diz Isaías [40.17].
Também teremos que responder à segunda questão: se a Igreja ou a Fundação de Naumburgo deve ser considerada perjura porque elegeu outro bispo, [247] em oposição à eleição do cabido. Aí, evidentemente, está o nó da questão e esse é o assunto capital. Pois sabemos, e a outra parte também não o pode negar, que não estão lutando por um autêntico bispo cristão, que provesse a Igreja com a Palavra de Deus e os sacramentos, mas que o caso estaria resolvido com o juramento e a submissão (sem perguntarem por Igreja e Deus). Aí então fariam com Naumburgo o que bem entendessem. Naturalmente, não se deve estar constipado para cheirar esse assado.
Nossa resposta simplória, indouta, tola, ovina (pois comparados a essa lobesca inteligência ardilosa e insondável, com efeito, não passamos de simplórias, tolas ovelhinhas) consiste no que está escrito: “Precavei-vos dos profetas vestidos de ovelhas”, Mt 7[.15], e “fugi da voz (doutrina) dos estranhos”, Jo 8 [sc. 10.5]. Com essa decisão, nós, como pobres, tolas ovelhas, queremos satisfazer-nos por ora, como pessoas que não o sabem melhor e não têm maior entendimento, até que nos convençam de algo melhor. Com isso, porém, não contamos de forma alguma, nem o podemos esperar eternamente.
Sendo a firme sentença de Deus, como nós tolas ovelhas cremos, que não devemos dar ouvidos aos lobos, mas fugir deles, a natureza nos ensina que não devemos prestar juramento a nenhum lobo, nem prestar-lhe homenagem, pois não posso prestar homenagem nem juramento a alguém a respeito do qual Deus ordenou que o evitasse como seu inimigo. E se eu tivesse prestado homenagem e juramento a algum lobo que se tivesse apresentado como verdadeiro pastor sob pele de ovelha e, se depois, uma vez tirada a máscara, eu reconhecesse o lobo, eu deveria correr e gritar: Miserável lobo voraz! Não foi a ti que prestei homenagem e juramento, mas a meu verdadeiro pastor. Que o diabo te carregue! Enganaste a mim, pobre ovelha, querendo devorar-me!
Se não compreendem essa comparação, eu a explicarei melhor em outra oportunidade. Pois o assunto é tão evidente que, como creio, eles mesmos não têm nada a resmungar. Pois no momento [248] não está em debate se se deve cumprir jura- mento, promessa de fidelidade ou compromisso. Nós aqui (graças a Deus) não somos asnos, gansos ou patos tão grosseiros que não soubéssemos, ou primeiro tivéssemos que aprender dos papistas que juramentos e compromissos devem ser cumpridos. Isso ensinamos e escrevemos melhor, a partir da Palavra de Deus, do que eles o pudessem ensinar com suas futilidades tolas e dejetais[36]. A questão é se esta é a pessoa à qual se deve prestar juramento e prometer fidelidade, e se é preciso cumprir o juramento e a promessa de fidelidade prestados (de modo tão enganoso a que se foi seduzido). Nesse ponto, deveriam abrir a boca e vociferar contra nós. Aí estaríamos dispostos a ouvir o que sua gritaria tem a dizer. Mas aí silenciam. No entanto, entrementes, enchem os ouvidos de outra gente e são extraordinariamente sábios: Juramento, juramento, juramento! Perjúrio, perjúrio!
No entanto, anima-te, apresenta-te e prova-o! Se não o provares, tua ira revela o asno, o asno-papa, que nada sabe senão zurrar um “iah! iah!”. Isso já estamos acostumados (Deus o sabe!) e o desprezamos, pois sabemos como um asno costuma zurrar e que jamais pode nem quer aprender outra canção. Se agora enchem a boca e vomitam: Juramento, juramento! Juramento deve ser cumprido!, também nós temos que encher a boca e clamar: Bispo, bispo! Que se nos dê um bispo! Onde não há bispo, não há juramento; onde não há juramento ou somente um juramento nulo, não pode haver perjúrio, o que qualquer criança entende, pois “os relativos se colocam e anulam reciprocamente”[37]. Para que se possa prestar um juramento, são necessárias duas pessoas: a que presta o juramento e a que recebe o juramento. Se falta uma das duas pessoas, o juramento é nulo. Se não existe a pessoa que recebe o juramento, o juramento e prestado ao vento e ao senhor Ninguém; se não estiver presente a pessoa que deve prestar juramento, a outra parte está aí boquiaberta, e entrementes lhe poderá entrar uma mosca pela boca, porque não há ninguém para prestar juramento.
Vejo-me obrigado a falar dessas coisas de modo grosseiro e pueril. Não que eu pensasse que os papistas não o entendessem nem o soubessem, mas para mostrar como os caros fidalgos (pois eles o entendem muito bem) não o querem entender por maldade e intencionalmente, querendo que essa sua gritaria e revide falso impressionem a gente simples (como é do agrado entre nossos adversários), quando eles mesmos há muito já não mais ousam acreditar no que dizem. [249] Eles, porém, pensam: Qualquer argumento é válido, para que, de modo algum, Cristo seja SENHOR sobre nós! “Não queremos que este reine sobre nós” [Lc 19.27]. Por isso, do mesmo modo como eles tapam os ouvidos e não querem ouvir nossos argumentos, também nós tapamos os ouvidos, para não ouvir seus clamores, latidos, ganidos, lamentos e blasfêmias, até que intervenha aquele a quem pertence a causa, pois sabemos que não é nossa. Assim venho procedendo há muitos anos, externei minha opinião e deixei que o Dr. Porco, Ridículo, Lorpa, Ferreiro, Ranhudo, Lambedor de Pratos, Pinico, Henrique, Mogúncia[38] e outros mais latissem, ganissem praguejassem e raivejassem à vontade; não lhes dei nenhuma atenção e deixei causa nas mãos daquele ao qual ela pertence. Esse até agora fez com que se com- portassem como dementes, loucos e alienados. Por fim, tiveram que coçar-se atrás da orelha, com vontade de matar-nos todos. Pois está próximo o dia que aguardamos e que eles têm que temer, por mais tenazmente que o desprezem. Essa confiança temos contra a confiança deles. Aguardemos confiantes para ver quem saíra vencedor naquele dia. Seremos seus juízes naquele dia, a não ser que não exista Deus no céu e na terra, como pensam o papa e os seus.
E por que o infernalíssimo padre e todos eles não aceitam nenhum juramento (especialmente aquele que é contra eles) que é contra Deus e o direito, ou arrancado à força? Conforme o provérbio: Juramento sob coação desagrada ao próprio Deus. Tanto os livros dos teólogos quanto os dos juristas estão repletos de máximas deste tipo: “No caso de promessas malfeitas se está livre de manter a palavra empenhada”, ou: “No caso de promessas malfeitas, rescinde a palavra empenhada"39[39], [250] e outras mais. Para fundamentar isso, aduzem os ditos dos pais, Agostinho, Isidoro e semelhantes. Por que aqui declaram nulos os juramentos proibidos ou mal-entendidos? Por que revogam esses juramentos? Por que proíbem, além disso, o cumprimento desses juramentos e ordenam renegá-los o quanto antes e a fazer exatamente o contrário? Ou haveremos que ser nós cristãos os únicos obrigados a cumprir juramentos proibidos ou prestados por engano, contra Deus e o direito, depois de havermos constatado que prestamos juramento à pessoa errada e contra Deus? Se eu tivesse prestado juramento ao diabo na forma e no nome de Deus e descobrisse, posteriormente, que foi o diabo, estaria eu obrigado a cumprir o juramento, ou deveria ser considerado perjuro se não o cumprisse? Seguramente que não. Agiria como cristão piedoso, que foge de um juramento desses e diria: Arreda diabo! Não prestei juramento a ti, mas a meu amado Deus. Tu me enganaste sob o nome dele!
Ah! quem seria capaz de enumerar todos os exemplos, inclusive em questões materiais, que acontecem diariamente no mundo, quando somos enganados por meio de falsos documentos, palavras, juramentos, alianças, compromissos, etc.? Quantos casos há somente na área de promessas de casamento, onde se tem que anular juramentos falsos e revogar o dote nupcial e tudo o mais? Preciso usar um exemplo ridículo, porque queremos ser bem explícitos. Aconteceu em Erfurt, quando eu era bacharel. Naquele tempo apareceu ali um Conde de Henneberg[40], que vivia luxuosamente, a ponto de a Universidade elegê-lo como seu reitor (como sempre foi costume honrar os senhores). Ele aceitou ser tratado como reitor e desincumbiu-se do papel de reitor. Pouco tempo depois surgiu o boato de que ele não era Conde de Henneberg, mas bordador de seda. Logo depois, ele desapareceu, pois, de fato, ficou comprovado que não se tratava do Conde de Henneberg, mas de um bordador de seda. Ora, naquela época encontravam-se em Erfurt teólogos e juristas, como o doutor Henning Gödde e as mais excelentes pessoas, afamadas na Alemanha, e todos tomaram o bordador de seda por Conde de Henneberg e seu reitor.
[251] Que aqui julguem todos os juristas, sim, o mundo inteiro, se a Universidade, em especial nós, jovens estudantes (que, afinal, formam um só corpo com a 20 Universidade), que lhe havíamos prestado juramento como reitor, tivemos a obrigação de considerá-lo reitor e seguir-lhe com nosso juramento por onde fosse, ao bordel, ou à casa de meretrício que, com certeza, também frequentou? Ou se nós deveríamos ter cumprido o juramento para com o Conde de Henneberg, enquanto eles próprios nada queriam saber desse Conde de Henneberg? A quem, afinal, prestamos juramento? A resposta é fácil: prestamos juramento ao reitor verdadeiro, esteja ele presente agora, ou venha depois. Se ele não estiver presente agora ou se estiver presente um falso, o juramento não compromete, até que venha o verdadeiro reitor; e ninguém pode ser considerado perjuro até que fique comprovado que não cumpriu o juramento para com o verdadeiro reitor.
Esta é a situação atual dos de Naumburgo. Eles têm a obrigação de prestar juramento ao bispo e de se manterem fiéis a ele. Do contrário, é justo que sejam chamados de perjuros. Quando, porém, o bispo não é o bispo legítimo, o juramento não compromete, mas espera e aguarda até que venha o legítimo bispo. Foi isso que os de Naumburgo fizeram. E o juramento que prestaram até agora ao falso cabido ou ao falso bispo teve que ser deixado de lado por algum tempo. Agora, porém, que perceberam que não existe cabido ou bispo legítimo, não podem prestar juramento ao cabido ou bispo ilegítimo, nem cumpri-lo. Devem esperar pelo bispo legítimo e prestar juramento a este a seu tempo. Ora, isso são palavras claras e compreensíveis, se lhes quisessem prestar atenção.
Por essa razão, não ocorreu nenhuma mudança no juramento, na Fundação de Naumburgo. Eles continuam sendo as mesmas pessoas juramentadas, como antes, e juramento e obediência permanecem inalterados. O fato, porém, de se ter mudado a pessoa do bispo não é culpa da Fundação e, sim, do cabido e do bispo por ele eleito, que se depuseram a si mesmos, perdendo o bispado e tomando-se indignos dele, como gente que não quer tolerar a Palavra de Deus em sua Igreja. Isso, de forma alguma, é culpa da Fundação.
Possivelmente não há necessidade de recorrer a artifícios tão incisivos e elevados (para também eu estufar um pouco o peito e mostrar minha erudição) contra a santa Igreja papal, para demonstrar que, desta vez, os de Naumburgo não podem ser chamados de perjuros, visto que já muito antes quebraram esse juramento, no dia e na hora em que aceitaram o Evangelho, livrando-se, desse modo, da obediência e do juramento [252] (prestado ao bispo ou ao cabido), de sorte que, evidentemente, neste caso, não necessitam de minha desculpa ou conselho. Por que não se os acusou de perjúrio naquela ocasião? Pois, depois de terem aceito o Evangelho, inclusive contra a proibição do próprio papa (que dirá do bispo e do cabido), e tendo permanecido fiéis a ele por tantos anos, está suficientemente claro que não só caíram no banimento e desfavor do bispo e do cabido, mas também no banimento, maldição e desfavor do santíssimo deus e padre de Roma e que, juntamente conosco, não se tomaram apenas perjuros, cismáticos, hereges, merecendo todos os demais belos nomes que nos atribuem, mas também infiéis e blasfemadores de Deus, se é verdade que o infernalíssimo padre de Roma é Deus ou cabeça da Igreja, como nos ensinam, o que, porém, nós ainda não aceitamos (graças a Deus!). Ora, se somos infiéis, perjuros, hereges contra o deus de Roma, não nos importa quando somos chamados de perjuros contra seus anjos, isso é, seus bispos e cortesãos, pois consideramos esse deus e seus anjos (como também os considera o verdadeiro Altíssimo Deus) diabos e serviçais do diabo.
Não obstante, com isso não transgredimos o direito eclesiástico; pelo contrário, agimos de acordo com o direito papal, no qual o próprio infernalíssimo padre ensina (embora não seja seu direito, mas o direito natural[41]) que não se deve cumprir o juramento prestado contra Deus e o direito, mas que se deve rompê-lo: “Em caso de juramento malfeito, rescinde a palavra empenhada”[42], conforme referido acima.
E por que fazer tantas palavras? Até mesmo um animal irracional é capaz de saber, ver e perceber que o papa e seus serviçais não são nem bispos nem governam eclesiásticos; isso também eles mesmos o sabem melhor do que se o pode descrever ou relatar; ainda são tão empedernidos que querem obrigar primeiramente sua própria consciência e depois, a nossa a agir contra a verdade reconhecida, sabendo conosco perfeitamente que isso é vão e, além disso, altamente condenável. °
Como nós, eles sabem muito bem (afirmo eu) que de nenhum livro se pode aprender o que é a Igreja ou o bispo, a não ser da Sagrada Escritura. Os dejetos do papa, o Alcorão do turco e o Talmude dos judeus não o ensinarão, nem podem fazê-lo. A Sagrada Escritura é o livro dado a sua Igreja por Deus, o Espírito Santo, no qual ela tem que aprender o que é a Igreja, o que ela deve fazer, sofrer, o que há de acontecer com ela. Onde termina o Livro, termina também a Igreja. Pois ele diz que sua Igreja [253] não dará ouvidos à voz de estranhos[43]; disso já se falou o suficiente e isso está firmado e selado com suficiente firmeza contra todas as portas do inferno[44].
Ora, esse Livro está disponível (graças a Deus!) em latim, grego, hebraico e agora também em alemão[45], no qual se pode ler e entender perfeitamente o que é e o que se deve entender por Igreja e bispo, a despeito dos dejetos e das dejetais do asno-papa: um bispo deve ser santo, pregar, batizar, reter e absolver o pecado, consolar a ajudar às almas a encontrarem a vida eterna, como S. Paulo escreve a Timóteo e Tito[46]. Juntem-se todos os papistas e se nos mostre um único bispo que leia esse livro do Espírito, o estude e se atenha a ele: que pregue, batize, que se preocupe com a Igreja, isto e, com as pobres almas. Se o puderem, queremos aceitar de bom grado que nos acusem de hereges, perjuros e blasfemadores. Acaso acreditam esses ilustres sabichões que nós somos meras toras, tocos e pedras, que nada entendem de sua elevada sabedoria? Visto, porém, que desprezam o Livro e não se orientam por ele, antes o condenam em nós, eu gostaria de saber por que razão querem considerar-se bispos e Igreja, ou por que exigem de nós o juramento, o compromisso e a obediência, prestados a um bispo, visto que não querem ser nem bispos nem Igreja, antes querem continuar sendo, de modo impenitente e faraônico, inimigos e perseguidores tanto dos bispos quanto da Igreja, sim, do próprio Deus.
No entanto, não insistimos tanto que um bispo, no que diz respeito a sua pessoa, exerça esse ministério episcopal. Com todo prazer queremos assumir também isso perante Deus e, no juízo derradeiro, ajudar a carregar e responsabilizá-lo, para que sigam o exemplo de S. Valério. Ele era bispo de Hipona e pregava mal por causa de problemas linguísticos. Por isso solicitou publicamente que se procurasse alguém que pregasse em seu lugar. Então tomaram Sto. Agostinho e o obrigaram a ser pregador. Como ficou contente o bispo S. Valério, por ter ganho um pregador essa categoria capaz de defender-se dos hereges e edificar as Igrejas com sã doutrina, embora Sto. Agostinho se tenha arrependido quando ficou sabendo que os bispos na Grécia reclamavam pelo fato de um sacerdote estar pregando em lugar do bispo (pois naquela época ainda se preservava a ideia de que pregar é o ministério supremo da Igreja). Mais tarde, escreveu que, se tivesse sabido isso, jamais teria aceito o ministério da pregação enquanto seu bispo estivesse vivo.
[254] Assim também nós nada mais desejamos do que isto: se os bispos ou cabidos não podem pregar pessoalmente ou cuidar das almas, que o providenciem por meio de outras pessoas capazes, ou, se também não conseguem fazer isso, que permitam que as Igrejas procurem e aceitem, com o conhecimento deles, pessoas aptas que tenham a proteção deles ao invés de serem perseguidas. Ora, que outras concessões deveríamos fazer? Isso não é concessão suficiente?
Jamais foi nossa intenção destruir as fundações, mas queríamos estabelecer um exemplo como se poderiam reformar as fundações e administrá-las cristãmente. Deseja-se (pois isso o deseja o próprio Deus) que a pessoa acristã seja transformada, ou seja, que o coração e o mau comportamento exterior sejam melhorados. O Evangelho não quer que homem e mulher se separem, abandonem lar, filhos e criadagem. Também não deseja que reis, príncipes, senhores, burgueses, camponeses, empregados, empregadas mudem de ofício ou abandonem o seu, antes ordena que permaneçam nele[47]. Pelo contrário, Deus quer que mudem sua crença e abracem a fé verdadeira, renunciem à fé falsa, ao erro, idolatria, heresia, etc., e que, na fé genuína e na verdade, exerçam cristãmente e de modo bem-aventurado seu oficio e profissão, no qual estão ou no qual o Evangelho os encontra, que o bispo exerça seu ministério episcopal, o cônego seu ministério canônico, para os quais foram ordenados e instituídos.
Pois, com efeito, posso gloriar-me de ter conversado por mais de uma vez com o piedoso senhor, príncipe Jorge de Anhalt, prepósito de Magdeburgo, meu clemente senhor, tendo rogado que Sua Clemência Principesca aconselhasse e se empenhasse junto aos altos bispos e às fundações no sentido de providenciarem que as fundações não fossem destruídas, isso por diversas razões. Pois não gostaria de vê-las destruídas e isso não seria bom para a Alemanha, especialmente, nessa época em que a ganância endoideceu, enlouqueceu e desvairou o mundo.
Que mal faria aos bispos se, segundo esse exemplo, se tomassem puros Valérios: que mandassem executar por outros o que eles próprios não podem fazer; que fossem à procura de tais Agostinhos em suas Igrejas e, se não existissem, colaborassem para que fossem formados em escolas e fundações; que eles permanecessem o que são, tivessem o que têm, deixassem [255] de perseguições, extermínios e blasfêmias; aceitassem a verdade reconhecida, contribuíssem para que as Igrejas estivessem bem providas? Pois se o cabido de Naumburgo tivesse procedido desse modo, como lhe fora aconselhado, sua eleição não teria sido contestada, e teriam sido poupados dessas mudanças.
Agora nossas autoridades seculares têm que ser bispos de emergência, proteger a nós pastores e pregadores (visto que o papa e seu bando não age nesse sentido, mas faz o contrário), para que possamos pregar e servir às Igrejas e escolas. É como diz Isaías: Reges nutricii tui, “reis te alimentarão, e rainhas te amamentarão” [Is 49.23], como, aliás, o fizeram quase em demasia no passado e ainda o fazem onde o Evangelho os converteu.
E se esses bispos e cônegos não quiserem contrair matrimônio, que permaneçam como estão. No entanto, que não pratiquem a fornicação. Se casassem, poderiam economizar algo de suas rendas, que gastam hoje de modo escandaloso com fornicação e meretrício, para a mulher e os filhos, com o consentimento do cabido, sem prejuízo para a Fundação. Pois bem, isso até agora foi considerado um conselho tolo, e eu passo por tolo. Como, porém, se trata de um conselho de Deus, é o conselho de um tolo sábio. O fato, porém, de os conventos mendicantes irem à falência, é útil e necessário. Pois não se trata apenas de uma instituição acristã. É um sustento vergonhoso o fato de não possuírem nada próprio e importunarem diariamente as pessoas, tornando-se um peso para o mundo. Também gostaria que os grandes conventos, de alto nível que, não sendo sede episcopal, se equiparam a um bispado, não fossem destruídos, mas transformados em escolas, onde houvesse necessidade. Isso seria uma boa ajuda para a pobre nobreza e eles poderiam tornar-se pessoas úteis, enquanto agora não passam de pançudos que se cevam como ratos e camundongos nos celeiros.
Em vista disso, os irmãos, meu clementíssimo e clemente senhor, duque João Frederico, príncipe-eleitor, e duque Ernesto, prometeram que, como príncipes territoriais e patronos da Fundação de Naumburgo, deixariam a Fundação intacta e iriam preservá-la como corporação jurídica, como tem sido até agora, sem [256] nada tirar dela. Fizeram isso na qualidade de patronos da Fundação, e tiveram que proceder desse modo para preservar as Igrejas da Fundação no santo Evangelho e na verdade reconhecida, agindo, nesse caso, como verdadeiros bispos de emergência, visto que o cabido prefere o caminho errado. Também é intenção séria do príncipe- eleitor e do príncipe estabelecer um exemplo verdadeiramente cristão para os outros bispados, se o quisessem aceitar, para o bem-estar e benefício deles mesmos e de seus súditos. Pois certamente está na hora de a Alemanha fazer penitência; a vara está à porta, e a penitência ainda é rara. Não obstante, é impossível que Deus esteja conosco, se não nos emendarmos.
Isso a respeito do segundo ponto, o juramento. A terceira questão é se pode ser responsabilizado que o bispo de Naumburgo concordou em receber a ordenação ou a imposição das mãos desses hereges hostis e apóstatas da Igreja papal. Quanto à minha pessoa, nada tenho de bom a dizer a meu respeito, muito menos de que gloriar-me. Sou nascido e ainda vivo em pecado e morte, como todas as pessoas, sob o diabo, desejando melhorar, embora não esteja mais sob o domínio do diabo. Se em mim existe algo de bom, então isso não é meu e sim, de meu amado SENHOR Deus e Salvador Jesus Cristo, cujos dons não devo negar: que entendo bem melhor a Sagrada Escritura (embora a entenda pouco) e que sei bem melhor como ordenar um bispo cristão do que o papa juntamente com todos os seus que, juntamente com todos os bispos, são inimigos da Sagrada Escritura e da Palavra de Deus, e que não sabem o que dizem ou prescrevem, 1Tm 1[.7], nem mesmo o que fazem ou deixam de fazer.
A meu ver, porém, não se preocuparão muito com isso. [257] Pois suas próprias leis ensinam que é legítima a ordenação de um bispo realizada por um simoníaco ou herege. E mais ainda, consideram-na legítima, ainda que realizada pelo mais escandaloso papa, como Bonifácio VIII, Júlio II, Clemente VII[48], por exemplo, e até mesmo se o próprio diabo a tivesse realizado no ministério. Pois o que importa é que a Igreja e o bispo sejam concordes, e que a Igreja esteja disposta a ouvir o bispo, e o bispo esteja disposto a instruir a Igreja. Foi isso que aconteceu. A imposição das mãos, a bênção confirmam isso e o testemunham, como um notário e testemunhas atestam uma causa secular, ou como o pastor que abençoa noiva e noivo confirma e testemunha seu matrimônio, que eles acertaram anteriormente e confirmaram publicamente. Seja o pastor um anjo ou um diabo — uma vez realizado o ofício, o casamento está abençoado.
Seja como for, que os papistas digam o que quiserem — nossa consciência está firme e livre perante Deus, sabendo que procedemos corretamente. Pois estiveram presentes nessa ordenação e impuseram as mãos não somente eu, mas também os seguintes bispos e pastores, se assim quisermos chamá-los: doutor Nicolau Medler, pastor e superintendente em Naumburgo; mestre Jorge Espalatino, pastor e superintendente de Aldenburgo; mestre Wolfgang Stein, pastor e superintendente de Weissenfels, conforme o costume da Igreja antiga e como ensinam os antigos cânones: que se ordene um bispo na presença dos bispos das cidades vizinhas, como foi feito no presente caso. Também a Igreja e o povo esteve presente, além da presença pessoal dos príncipes territoriais e patronos.
Se, porém, os papistas ainda não estiverem satisfeitos, encarregamo-los da seguinte tarefa: se purificarem de alto a baixo seus papas, cardeais, bispos abades, cônegos e pastores, após legítima livre escolha, [258] de simonia, favorecimento intrigas, pactos, alianças e outros vícios abomináveis que tomaram conta entre eles de modo descontrolado e incorrigível, contrariando suas próprias leis, e tirarem primeiro essa trave de seu olho, também nós queremos, de bom grado, permitir que tirem a nossa felpa. Se não, nós lhes diremos: coadores de moscas e engolidores de camelos![49]. Primeiro limpai vossa própria ... (bem sabeis a que me estou referindo), antes de nos mandarem assoar o nariz. Não faz sentido um porco querer ensinar a uma pomba a não comer nenhum grãozinho sujo, quando ele próprio de nada gosta mais do que o esterco que os agricultores atiram atrás da cerca. O segundo ponto entendeis perfeitamente. Onde jamais se realizou livre eleição em cem anos? e até mais? Quem foi bispo desde então que não tivesse que comprar o cargo do papa? Disso [falaremos] em outra ocasião.
Também não há nenhuma razão para se queixarem da pessoa do bispo. Ele é da nobreza, para não poderem reclamar que estariam sendo cerceados em sua reputação com pessoas de classe inferior, de modo que precisam reconhecer que não se causa prejuízo ao bispado. Visava-se somente uma pessoa que fosse decente e crista. E ele, com efeito, é ricamente dotado por Deus, conhecedor da Sagrada Escritura e bem instruído nela, mais do que todos os papistas juntos; além disso, leva uma vida honesta, é de coração fiel e sincero, é celibatário, de modo que, conforme as próprias leis bispais, deveriam eleger um bispo assim (se quisessem fazer a melhor escolha). Também conforme a Sagrada Escritura, ele é irrepreensível, de acordo com a descrição de um bispo por São Paulo em Tt 1[.7] e 1Tm 3[.2], No entanto, para fazer jus a Deus nosso SENHOR, perante ele nenhum ser vivo é justo[50]. Todos têm que viver perante ele de sua exclusiva graça e misericórdia.
Quanto aos bens ou governo secular (no que reside o maior interesse dos papistas), já disse acima que com isso o bispado não será fracionado, mas há de permanecer uma corporação livre, como antes, com todos os seus direitos. Pois assim como não devemos arrancar dos pastores as benfeitorias paroquiais e seus direitos (porque um pastor não pode comer mãos e pés), também os bens continuarão pertencendo ao bispado (que é uma grande paróquia). [259] Pois é bom e proveitosos paras todos, para as fundações, para os príncipes territoriais e para o território que não sejam repartidos, como dito acima.
Porém, ouvi dizer que o senhor Júlio estaria se queixando, inclusive através de ofícios, que meu clementíssimo senhor, o príncipe-eleitor, estaria querendo sujeitar a Fundação a seu domínio e incorporá-la em seu território, etc., e que ele jamais teria sido contra o Evangelho, mas procura governar cristãmente, a fim de salvar de perdição as almas da Fundação. Se assim fosse, seria uma lástima por causa do senhor Júlio, que estaria cometendo um erro tão vergonhoso com essas mentiras públicas e acusações falsas.
Primeiro, porque acusa meu clemente senhor, o príncipe-eleitor, de querer subordinar a Fundação a seu domínio e privá-la de sua independência, usurpá-la do Império, etc. Isso não é verdade. Pois as coisas não foram feitas na clandestinidade, mas foi dito em Naumburgo, inclusive por mim (embora eu nada sou), aos estamentos e conselheiros da Fundação que a intenção não seria a de impor qualquer restrição a Fundação. Na época, preguei isso publicamente[51], de modo que é impossível que esse discurso, posicionamento e pregação pública não tivessem chegado ao conhecimento dele, e que ele, apesar disso, fosse expor-se publicamente com essas afirmações falsas. Quero ver (se eu [260] estiver vivo) como conseguirá defender-se com honra e decência. Pois isso é mentira pública, disso tenho certeza. E se ele for apanhado numa mentira dessas, feita pública e conscientemente, ele verá o que se pensará e dirá a seu respeito.
Depois, quanto ao fato de se gloriar de jamais se ter oposto ao Evangelho, e que queria proceder cristãmente na Fundação, digo para mim mesmo. Há mais de vinte anos estivemos estudando sua linguagem, o que entendem por Evangelho, Igreja, cristianismo, bispo. E se não o entendemos já anteriormente, no ano passado Henrique Incendiário[52] nos fez tanto fogo em nome de todos eles, que tivemos que vê-lo perfeitamente, por mais intensa que tivesse sido a escuridão entre nós. Eles nos ensinaram a entender sua linguagem, o que entendem por Igreja, cristianismo e Evangelho. Em contrapartida, também Deus já acendeu um fogo no abismo do inferno, à luz do qual também haverão de enxergar com clareza e ler o que Cristo chama de Igreja e Evangelho entre nós.
No entanto, ainda não ouço que ele se pronunciasse no sentido de manter a Fundação como agora ensinam e acreditam (o que, aliás, deveria fazer e é de seu dever, se sua intenção fosse séria). Mas, como dito, ele se vangloria de querer governar cristãmente, preocupar-se com as almas e não opor-se ao Evangelho. Como se diria em alemão: Taramelar faz parte do ofício. Acabei de afirmar que aprendemos a entender essa linguagem com grande prejuízo. Queira Deus que a tivéssemos entendido antes e a entendêssemos suficientemente agora. Isso basta por enquanto até que eu veja o que eles se propõem a dizer publicamente. Quanto ao que fazem na obscuridade, sabemos que nada há de bom. Contra isso nos ajude aquele, cujo inimigo são, Deus o Pai, por meio de seu amado Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, juntamente com o Espírito Santo, louvado em eternidade. Amém.


[1] Exempel, einen rechten christlichen Bischof zu weihen - 1542. - WA 53,231-260. Tradução: Ilson Kayser.
[2] Nicolau von Amsdorf (1483-1565), amigo de Lutero desde 1511, a quem acompanhou a Leipzig, em 1519 e a Worms, em 1521. Colaborou com Lutero na tradução da Bíblia. Sustentou debates sobre o livre-arbítrio e o pecado original. Foi professor na Faculdade de Teologia da Universidade de Wittenberg. Em 1524, tornou-se superintendente em Magdeburgo. Foi bispo evangélico em Naumburgo de 1541 a 1546e, desde 1548, superintendente em Eisenach. Em todos os seus posicionamentos teológicos e funções eclesiásticas, von Amsdorf mostrou-se companheiro intransigente de Lutero, principalmente após a morte deste.
[3] V. abaixo, p. 127,26-131,31 (-135,10);138,2-35;144,7-31;147,1-24.
[4] V. abaixo, p. 131,32-132,10;133,22-134,1;136,22-29;137,12-21;143,11-31;149,26-150,11.
[5] V. abaixo, p. 128,33;129,2,24;134,3;139,1-7,24-30.
[6] V. abaixo, p. 128,16-22;133,22-135,10.
[7] V. abaixo, p. 139,8-143,36.
[8] V. abaixo, p. 147,17-24.
[9] V. abaixo, p. 145,16-146,40.
[10] Lutero alude aqui e no que segue a partes do sacramento da penitência no cânone da Igreja católica, a confessio oris (confissão auricular) e satisfactio operis (satisfação por atos de penitência).
[11] Mogúncia é uma referência ao cardeal-arcebispo Alberto (1490-1445), arcebispo de Mogúncia desde 1514, cardeal desde 1518 que, além de ser da casa dos Hohenzoller, era príncipe-eleitor, homem de grande influência na Alemanha. Lutero o acusa de incendiário. — Henrique é uma alusão ao duque Henrique, o Jovem, de Braunschweig -Wolfenbüttel, a princípio amigo do landgrave Filipe de Hesse, sustentáculo da Liga de Esmalcalde. Também o duque Henrique era signatário da Liga; no entanto, desavenças e intrigas transformaram essa amizade em acerba inimizade. Ofensas e acusações mútuas geraram intensa e escandalosa panfletagem. Lutero posicionou-se em seu escrito Wider Hans Worst ("Contra João Linguiça — 1541) — WA 51,469-572 —, em defesa de Filipe de Hesse. Por fim, o duque Henrique se tomou suspeito de ter sido o mandante de um bando de incendiários, que haviam incendiado vários redutos protestantes, e isso com o beneplácito de Alberto da Mogúncia. Por isso Lutero os menciona várias vezes em conjunto.
[12] Uma alusão a Jó 41, especialmente vv. 15 e 30.
[13] Um jogo de palavras de difícil imitação em português. Lutero toma os termos Dekret e Dekretal e troca o “r” de posição. Assim, de Dekret (= decreto) obtém Dreket (= imundície, sujeira), e, analogamente, de Dekretal (= decretai) obtém Dreketal (= decretai suja). Tentando chegar perto da construção original, representamos Dreket por “dejeto” (em analogia a “decreto”) e “dejetai” (em analogia a “decretai).
[14] Lutero redigiu seu escrito por solicitação do príncipe-eleitor e dos estamentos, delimitando sua tarefa. O relatório detalhado dos acontecimentos fora confiado a outra pessoa, no entanto, jamais veio à lume.
[15] Lutero traduz o original “sábado” por Feiertag, literalmente “dia de festa”, “dia de celebração”, correspondendo à expressão latina dies festus. Com o termo Feiertag, designava-se o “domingo”. Portanto, substituindo “sábado” por “domingo”, Lutero reinterpreta o terceiro mandamento, dando-lhe conotação cristã e despindo-o de sua conotação de lei cerimonial judaica, pois como tal o “sábado” está eliminado para os cristãos.
[16] Cf. Êx 20.5.
[17] Citação um tanto livre do texto da Vulgata. Lutero tem no original: Tu repulisti scientiam, repeliam et ego te, ne Sacerdos meus sis, enquanto na Vulgata consta: quia tu scientiam repulisti repeliam te ne sacerdotio fungaris mihi.
[18] Cf. Dn 11.38s. No texto original fala-se do “deus dos burgos ou das fortalezas”, o que significa, Zeus, Júpiter e Capitolino, cujo culto Antíoco IV, Epífanes (rei da Síria de 175 até 163 a.C.) quis introduzir, proibindo o judaísmo e destruindo todas as sinagogas. Lutero tomou o termo hebraico maozim por nome próprio, seguindo a Vulgata.
[19] V. acima, p. 90, n. 26.
[20] Cf. acima, p. 127, n. 13.
[21] Filipe da Baviera (fal. em 6 de janeiro de 1541 em Freising), bispo de Naumburgo. V. abaixo, p. 134, n.
[22] Refere-se ao príncipe-eleitor da Saxônia.
[23] Os de Naumburgo haviam, por diversas vezes, solicitado um pregador evangélico; finalmente, João Langers foi engajado na igreja paroquial São Wenzel, mas já em 1529 foi expulso novamente; em 1532, solicitou-se a intervenção do príncipe-eleitor, e outra vez em 1536. Em consequência desse último apelo, foi enviado a Naumburgo Nicolau Medler, o verdadeiro reformador da Fundação
[24] Cf. 2Rs 6.12.
[25] Virgílio, Eneida: Imperium sine fine dedi. Líber I,279.
[26] Cf. Dn 7.7,23.
[27] Aníbal, general cartaginês/África do Norte (247-183 a.C.), famoso por sucessivas vitórias sobre os romanos na 2ª Guerra Púnica, depois de atravessar o sul da França e os Alpes. Derrotado, morreu no exílio, por suicídio.
[28] Cf. Dn 4.13,17,23; a palavra hebraica que designa o “anjo da guarda” ou o “vigilante”, como prefere Almeida, é irim no plural; a Vulgata traduz o termo por vigil.
[29] V. acima, p. 126, n. 11.
[30] 0 bispo Filipe já havia falecido em 6 de janeiro de 1541. No entanto, o cabido ocultou o óbito e também o conselho de Naumburgo tomou conhecimento dele somente a 20 de janeiro. No mesmo dia 20, o cabido já escolhia a José Pflug como sucessor. O príncipe-eleitor foi informado da morte do bispo somente em 23 de janeiro. No dia seguinte, recebeu a notícia da eleição do novo bispo, sendo-lhe, porém, ocultado o nome do eleito.
[31] Cf. 1Co 1.19s.; 3.19.
[32] Cf. Gl 1.8.
[33] Trata-se de um provérbio, talvez no sentido de: Quem se rola no barro se suja. Ou: Quem mexe no abelheiro leva ferrões.
[34] Em 15 de janeiro de 1542, após um ano de prazo, o bispo eleito para cabido, José Pflug, comunicou, num manifesto público, a todas as instâncias, que aceitava o cargo. É a esse fato que Lutero se refere aqui.
[35] Possessorium, que Lutero traduz por Gewehr, corresponde ao que na lei romana se entende por “usucapião”, ou seja, a praescriptio — aquisição por prescrição de determinado prazo.
[36] Cf. acima, p. 127, n. 13.
[37] No original: Relativa se mutuo ponunt et tollunt.
[38] Títulos honoríficos” que Lutero confere a alguns de seus mais acres adversários. “Dr. Porco” é como denomina, às vezes, a João Eck, professor da Universidade de Ingolstadt, com o qual debateu em Leipzig sobre a questão das indulgências e se confrontou reiteradas vezes. — “Ridículo é referência a Jorge Witzel, inicialmente padre e depois pastor evangélico, rompendo, porém, novamente com a Reforma e tornando a ser sacerdote católico. — “Lorpa”: o termo alemão aqui usado é Tölpel, literalmente “lorpa”; suspeita-se que seja uma referência a um tal de Jacó Lemp, de Tübingen. — “Ferreiro é João Faber, jurista, teólogo e humanista, ardoroso adversário de Lutero. — “Ranhudo” é como Lutero costuma chamar a João Cócleo, também conhecido por João Dobeneck que, inicialmente, aderiu à Reforma e depois se tomou seu ferrenho adversário; redigiu vários escritos polêmicos contra Lutero e foi coautor da “Confutação da Confissão” de Augsburgo (1530). É de sua autoria a “biografia” de Lutero que serviu de protótipo para o conceito de Lutero no catolicismo até o séc. XX. — O “Lambedor de Pratos é Crotus Rubianus, “lambedor de pratos” do cardeal-arcebispo Alberto de Mogúncia, contemplado por este com uma rendável prebenda. Em outra ocasião, Lutero faz de “Doktor Krotus” Dotter Kröte = “Sapo Gema-de-Ovo” (WA 38.84,12). - “Penico” talvez seja a alcunha conferida ao “merdipoeta” Lêmnio, mencionado também alhures. - “Henrique e Mogúncia”, v. acima p. 126, n. 11.
[39] No original: In malis promissis non expedit servare fidem. E: In malis promissis rescinde fidem. No capítulo De regulis iuris do CorpIC. (Livro 6,1.5, anexo, Título 12) encontra-se como regra 69 a frase: In malis promissis fidem non expedit observari. Cf. WA 53,249, n. 17.
[40] A eleição do referido conde ao cargo de reitor da Universidade de Erfurt, em 2 de maio de 1508, é fato documentalmente comprovado. No entanto, nos anais da Universidade não há nenhuma referência ao embuste. Cf. WA 53,250, n. 10.
[41] Lutero identifica a “lei natural” com a “regra áurea” (Mt 7.12; Lc 6.31). Para mais detalhes sobre esse conceito, v. “Comércio e Usura”, in: OSel 5,379, n. 18.
[42] No original: In malis promissis rescinde fidem. Cf. acima, p. 141, n. 39.
[43] Cf. Jo 10.5.
[44] Cf. Mt 16.18.
[45] A Bíblia completa em língua alemã estava disponível desde 1534.
[46] Cf. 1Tm 3.2; Tt 1.7,9.
[47] Cf. 1Co 7.21ss.
[48] Bonifácio VIII (1294-1303), aspirou a um domínio universal. É conhecido como homem de pouca espiritualidade, impetuoso, irrefletido, dado à avidez e ao nepotismo. Em seu pontificado foi promulgada a bula Unam Sanctam, o documento clássico sobre a hierocracia papal: as duas espadas, a espiritual e a secular, na mão do papa, sendo que a primeira seria usada pelo papa e a segunda, em favor do papa. — Júlio II (1503-1513), cognominado de “O Terrível”, era mais rei e general do que sumo sacerdote. Supremo movente de sua atividade foi a sede de poder aliada a um amor à cultura estética esplendorosa. Encomendou o projeto da nova basílica de S. Pedro (pedra fundamental em 1506); contratou Miguel Angelo para decorar a Capela Sistina, e a Rafael para a execução dos magníficos afrescos das stanze (salas, em italiano), no Vaticano, hoje conhecidas como as stanze de Rafael. —Clemente VII (1523-1534), antes cardeal Júlio de Médicis. De caráter fraco e inconstante, era mais príncipe territorial italiano do que líder do catolicismo. Por isso não dedicou muita atenção aos conflitos religiosos desencadeados na Europa pelo movimento da Reforma. Opôs-se decisivamente à realização do programado concílio nacional, a realizar-se em Espira, em 1524, temendo a volta da tese do conciliarismo. Interesses dinásticos o mantiveram constantemente envolvido em conflitos, inclusive com o imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Carlos V.
[49] Cf. Mt 23.24.
[50] Cf. SI 143.2.
[51] Lutero pregou na Igreja dos Pés-Descalços, em Zeitz, em 22 de janeiro de 1542, referindo-se à ordenação episcopal em Naumburgo. A afluência de público fora tão grande que o povo chegou a usar as escadas de incêndio para enxergar pelas janelas.
[52] V. acima, p. 126, n.11.



Obras Selecionadas de Lutero, v. 7, pp 25 a 36
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