[docx completo]
Exemplo de Ordenação de um Legítimo Bispo Cristão Ocorrida em Naumburgo em
20 de janeiro de 1542[1]
Introdução
No dia 20 de janeiro de 1542 aconteceu a ordenação de
Nicolau von Amsdorf[2]
como bispo da cidade de Naumburgo, coordenada por Martinho Lutero. No presente
escrito, ele justifica esta iniciativa de maneira teológica agressiva[3].
Sobretudo, assevera o anúncio livre da Palavra de Deus e a sua supremacia, que
se manifestam na substituição de um bispo, escolhido pela lei canônica vigente,
mas contrário à Reforma[4].
Bispo papista é lobo, conforme Jo 10.12[5]
e cabido que o elege não é cristão, nem possui legitimidade nenhuma na
cristandade[6];
em decorrência, não se pode jurar fidelidade ao bispo nem este tem o direito de
exigi-lo[7].
Lutero insiste no fato de que reina comunhão entre Igreja e bispo e “a Igreja
está disposta a ouvir o bispo e o bispo está disposto a instruir a Igreja”[8].
O referido escrito foi publicado a pedido expresso dos edis de Naumburgo e do
príncipe-eleitor João Frederico, no intuito de servir a ação toda de exemplo de
como preencher vacâncias episcopais de forma evangélica e de resolver de
maneira responsável questões jurídicas e financeiras das fundações
eclesiásticas[9].
Já em março de 1542, começou a distribuição da publicação.
A. Baeske
Doutor Martinho Lutero
Uma vez mais, nós pobres hereges cometemos grande pecado
contra a infernal Igreja acristã do infernalíssimo padre, o papa, quando
ordenamos e consagramos um bispo na Fundação de Naumburgo, sem qualquer crisma,
e também sem manteiga, banha, toucinho, breu, gordura, incenso, brasas e o que
mais há de grande santidade dessa espécie. Além disso, o fizemos contra a
vontade deles, contudo não sem sua ciência. Por esse grande e horrível pecado
gostaríamos de pedir humildemente indulgência e perdão. No entanto, faltam-nos
os dois principais elementos da penitência[10].
Em primeiro lugar, porque não nos arrependemos nem podemos arrepender-nos desse
grande pecado, nem o lamentamos, visto que, sem arrependimento e pesar, não
pode haver perdão de pecados, ainda que fosse vendida a indulgência papal com
todo seu infinito comércio e tesouro, ou concedido de graça. Por outro lado,
também somos tão fracos na fé (embora eles talvez falem de obstinação) que simplesmente
não podemos crer que eles pudessem perdoar-nos esse horrível pecado. Se,
todavia, alguém não crê no perdão dos pecados, eles não lhe poderão ser
perdoados. Portanto, temos que permanecer diretamente e para sempre desesperados
nesse pecado, condenados, sem qualquer graça e misericórdia por parte do
infernalíssimo papa. Amém. Que Deus nos ajude. Amém.
Embora tivemos que fazer árdua penitência suficiente por
mais de vinte anos por esse pecado ou pecados semelhantes, que admitimos
abertamente, confessamos e reconhecemos publicamente, quando derramaram nosso
sangue com assassinar, enforcar, afogar, decapitar, incendiar, assaltar,
desterrar e toda sorte de suplício, ainda por último, nos torturaram pelos
incendiários Mogúncia e Henrique[11]
(como, aliás, perseguir a Deus convém a grandes santos papais como estes).
Disso, eles, os castos e puros santos, e não nós (graças a Deus!) deverão e
haverão de prestar contas naquele dia. Pois, em contrapartida, também para eles
está preparado um fogo que não se poderá apagar como, por fim, o fogo deles
[232] haverá de ser extinto. Nós estamos em vantagem (graças a Deus!), apenas
peço que os incendiários, papa, Mogúncia, Henrique, juntamente com suas escamas[12],
não o creiam. Pois, por que iriam pensar que existe um Deus, ao qual deveriam
temer e perante o qual deveriam tremer, e lá chorar e arder eternamente? Que se
vão! Eles estão no caminho certo.
Não que com isso eu os estivesse ridicularizando, valha-me
Deus! A não ser que o Espírito Santo o faça através de minha pena, como diz
Salomão em Provérbios 3[.34]: “Ele zombará dos zombadores, e concederá graça
aos humildes”. No mais, de fato não o deveria fazer e também jamais o fiz, a
não ser por palavras. Pois sei que eles têm cartas e selos contra isso, dejetos
e dejetais[13],
bulas e livros aos montes que o proíbem ao máximo e com rigor.
No entanto, queremos falar um pouco sobre o assunto com
vistas àqueles outros que gostariam de conhecer nosso pensamento, nossa opinião
a respeito. Pois o caso em si é público e conhecido e, talvez, será relatado
por outro[14],
Naturalmente, há de se perguntar se tivemos o direito e a autoridade de escolher
outro bispo, contrariando o direito de livre escolha do cabido (como é chamado),
e, desse modo, destituí-los de seu direito de livre escolha e privá-los de suas
possessões; e se os membros e estamentos da Fundação puderam prestar homenagem
e juramento a um outro, sem violação de seu juramento e dever prometidos ao
cabido no caso do bispo falecido (como dizem). Por fim, há de se perguntar se é
correto receber a consagração e a ordenação das mãos desses malditos hereges.
Quero deixar para os especialistas em direito eclesiástico a
discussão sobre o assunto, do qual não tenho conhecimento, nem o quero ter.
Quero falar a respeito na qualidade de [233] teólogo, ou (visto que assim o
desejam) como herege e papista cismático.
A resposta à primeira pergunta se dá de modo breve e fácil
através dos três primeiros mandamentos: Não terás outros deuses; Não abusarás
do nome do Senhor teu Deus; Santificarás o dia de descanso[15].
Nosso Senhor Jesus Cristo explica isso do seguinte modo em Mt 7[.15]:
“Precavei-vos dos falsos profetas, que vêm em peles de cordeiro, mas por dentro
são lobos vorazes”, etc. Pois aqui não se fala de pecados proibidos na segunda
tábua de Moisés, mas do deus falso, do culto falso, do uso falso do nome de
Deus, da falsa santificação da sua Palavra. E aqui não se trata de palavras
obscuras, que necessitassem de explicação, mas o próprio Deus sentencia de modo
simples e claro e diretamente que não se deve ter outro deus, invocar outro
deus, ouvir outro deus. Ele quer ser exclusivo (como, aliás, é), quer ter seu
nome exclusivo (como, aliás, há de tê-lo), somente ele quer pregar e ser ouvido
(como, aliás, é justo e o que se deve desejar a nós pobres humanos); a isso
Cristo nosso SENHOR chama de “precaver-se de falsos profetas”, quer dizer, os
que pregam um deus falso, um uso falso do nome de Deus, culto e Palavra de Deus
falsos. Além disso, proíbe-o a tal ponto e faz ameaça tão severa que, se
honrarmos, louvarmos e ouvirmos outros deuses, ele não o esquecerá nem deixará
impune até a terceira e quarta geração[16].
Pois bem. Se isso for verdade, como, aliás, nós, que queremos
ser cristãos, não podemos duvidar (que o papa e o diabo duvidem disso, eu não
os impedirei!), então não somente bispo e cabido de Naumburgo, mas também papa,
cardeal e tudo que existe em seu regime, não apenas estão depostos com esse
trovão do juízo divino, mas condenados totalmente ao inferno em eternidade,
juntamente com todos os que lhes obedecem. E nós, que lhe somos submissos,
estamos igualmente proibidos, sob ameaça do mesmo fogo infernal, de ouvir e
tolerá-los, mas devemos evitá-los e fugir deles, como diz nosso SENHOR:
“Precavei-vos” [Mt 7.15], e Deus diz através de Moisés: “Não terás outros
deuses” [Êx 20.3].
Ora, onde Deus ordena a um profeta, pregador, bispo ou
qualquer pessoa que exerça o regime espiritual, que não ensine (se quiser honrar
e ensinar outros deuses), ele, naturalmente, está impedido e destituído de seu
bispado [234], não por papa ou imperador, também não por anjos, mas pela
própria altíssima, eterna majestade divina, visto que sentencia e troveja: “Não
terás outros deuses, nem abusarás de meu nome” [Êx 20.3,7].
Deste modo, pois, onde Deus ordena que os cristãos não deem
ouvidos a esses falsos profetas, pregadores e bispos, aí bispo e bispado estão
separados, o bispo está destituído, o bispado lhe foi tirado, e não apenas é permitido
(isso seria algo comum!), mas estamos obrigados pelo mandamento de Deus a nos
separarmos dele e não mais considerá-lo bispo, mas um lobo, sim, até mesmo um
diabo. Tudo isso não é palavra ou opinião minha (que tenho que passar por
herege), mas palavra e severo mandamento do próprio Deus, confirmado sob ameaça
e ira, quando diz: “Não terás outros deuses” [Êx 20.3], em Mt 7[.15]: “Não deis
ouvidos aos lobos, mas precavei-vos deles.”
Se apesar disso, alguém quer ser bispo de Naumburgo, que ali
não deve nem ode ter povo nem Igreja (porque é lobo, e a Igreja tem o dever
perante Deus de fugir dele), que se denomine bispo no papel, no entanto, que
seja eternamente condenado perante Deus e a Igreja. Por outro lado, os que
querem ser Igreja desse bispo lhe dar ouvidos, que o façam (eu não os
impedirei), desde que saibam que são Igreja cristã como os judeus e os turcos,
condenados ao fogo do inferno juntamente com seu bispo. Pois aqui está a
sentença: “Não terás outros deuses”, ou: “Serei um Deus zeloso”, etc. [Êx
20.3,5]. Quem não teme a esse Deus, que faça o que quiser, mas até quando o
fará se mostrará em breve.
Quanto a isso, poder-se-ia aduzir mais outras passagens da
Escritura, mas deveria ser suficiente quando se sabe um dito da soberana
majestade de Deus, no qual revela sua vontade, o que quer que seja ordenado e o
que, proibido. No entanto, para que os papistas não pensem que nos estamos
jactando com um ou dois ditos, para acalmar o povo, queremos aduzir mais
alguns, aos quais tampouco poderão resistir. Assim diz o SENHOR em João
10[.27]: “Minhas ovelhas ouvem minha voz, mas ao estranho não seguem; antes
fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos”. Idem: “Conheço os meus, e
sou conhecido deles” [Jo 10.14].
Elas fogem dos estranhos, diz ele, e não conhecem a voz dos
estranhos. Em nossa língua, isso significa que as ovelhas ou igrejas [235]
devem fugir dos estranhos e evitá-los. E, com efeito, fazem bem, porque na
mesma passagem o SENHOR chama a esses estranhos de ladrões e assassinos, que
outra coisa não sabem fazer senão roubar, matar e assassinar. As ovelhas,
porém, não lhes deram ouvidos. Se devem fugir, evitá-los e não lhes dar
ouvidos, certamente têm o poder e direito de destituir seu bispo-lobo, pelo
fato de terem o poder e o direito de não lhe obedecer, muito antes (como dito
acima), pelo mandamento de Deus têm a obrigação de lhe resistir, que dirá
obedecer-lhe. Onde, porém, falta a obediência, o bispo deixa de existir, porque
sem obediência não poderá existir povo, Igreja, congregação.
Assim também falou a seus bispos ou sacerdotes por meio de
Oséias 4[.6]: “Visto que rejeitaste o conhecimento, também eu te rejeito: não
serás meu sacerdote”[17].
Se não queres falar a meu respeito e rejeitar minha Palavra, também eu não
quero ser teu Deus, e também não poderás ser meu sacerdote ou bispo. Analogamente
isso significa: quem quer ser bispo de outros deuses, também não haverá de ter
por Deus o Deus verdadeiro. Quem não quer falar do verdadeiro Deus, que fale do
diabo, a saber, que seja bispo do diabo; a meu ver, isso significa uma enorme
separação entre bispo e bispado, que o bispo está deposto e que é proibido
obedecer-lhe, porque rejeita e persegue a Palavra de Deus (para a qual
unicamente é chamado).
E quem poderia recriminar o amado e bondoso Deus por rejeitar
esses bispos ou pregadores falsos em sua Igreja e proibir que se lhes dê
atenção? Pois é o diabo que faz isso por meio do papa, Mogúncia, Henrique e
semelhantes, destituindo, rejeitando e desterrando (inclusive matando,
afogando, enforcando, assassinando incendiando, etc.) a todos que não querem
pregar a sujeira e as mentiras de sua fedorenta cloaca infernal. E o verdadeiro
Deus deveria tolerar tudo isso por parte do diabo, e teria que admiti-lo em sua
Igreja, e não afastar o que o diabo nela estabelece e lança? Esse, na verdade,
seria um Deus miserável.
E por que fazer tantas palavras? Observem-se todos os
profetas, como eles destituem, proíbem, impedem que se ouçam falsos profetas; também
como afastam o povo dos sacerdotes instituídos, apesar de terem sido sacerdotes
de Deus. Visto, porém, que ensinavam falsamente, não se lhes deveria dar
ouvidos, e nem eram sacerdotes. Pois, como dizem os apóstolos, “é preciso
obedecer mais a Deus do que aos homens” [At 5.29]. E não apenas se distanciaram
[236] dos sacerdotes, mas pregaram contra eles, afastaram deles o povo,
estabelecendo uma Igreja obediente a Deus. Também sofreram o que tinham que
sofrer, e não se importaram com a autoridade instituída — com o fato de o
sacerdócio e o bispado ou papado ter sido instituído em Jerusalém pela lei de
Moisés, confirmada por Davi, Salomão e todos os reis e profetas há tantos anos.
Não havia necessidade de eles perguntarem por essas coisas, porque neste ponto
surgia a desavença sobre a importante questão se a Palavra de Deus deve ser
desprezada ou ouvida, ou seja, se se deve ter ou não ter outro deus. Disso se
conclui, segundo o primeiro mandamento: a gente deve e tem que obedecer somente
a Deus. Se Caifás, Anás, Pilatos, Herodes, o imperador e o mundo inteiro não
querem aceitá-lo, que importa isso? Que se vão! Tu, porém, foge, e obedece a
Deus, pois ele é juiz nesta questão por meio de sua Palavra, ele “derruba os
poderosos do trono, dispersa os orgulhosos”, como canta Maria, a mãe de Deus,
em seu santo Magnificat [Lc 1.52,51]. Quem não quer ouvir a Deus, já está
perdido, expulso de seu Reino. Maldito o que lhe segue e não foge dele, nem o
abandona.
E que faz o próprio infernalíssimo padre em sua Igreja
infernal? Acaso não destitui todos os bispos, abades, pastores e quem quer que
tenha um cargozinho em sua Igreja, quando os considera hereges ou mestres
dissidentes de seu deus Maozim[18]?
Faz proibições às pessoas, dispensa-as da obediência, de deveres e juramentos
que fizeram, sim, até mesmo os enaltece e presenteia com indulgências e graças,
para que se afastem desse herege e o deixem; ordena-lhes que o persigam como
condenado pela Igreja, que o queimem e amaldiçoem até o abismo do inferno, como
procedeu com o santo e verdadeiro bispo de Praga, João Hus[19],
e com muitos de nossas fileiras.
Ele ainda vai além: interfere no regime secular e doméstico [237]
(o que não compete nem ao bispo, nem à Igreja), destitui imperadores, reis e
príncipes, divorcia marido e esposa, destrói o matrimônio, anula a obediência,
dever e juramento, embora aí não se constate heresia, mas somente desobediência
contra suas dejetais[20]
arbitrárias e diabólicas e suas malditas bulas. Tão pura e sólida quer ter sua
Igreja. Pois, embora Deus e seus apóstolos e profetas, e também a verdadeira
Igreja, rejeitem, destituam, evitem os hereges ou bispos e Igrejas falsos, eles
não interferem no regime secular ou doméstico; deixam reis ser reis, matrimônio,
matrimônio; estamentos, estamentos; corpo, vida, bens, honra, etc., como também
nós procedemos até agora (Deus é nossa testemunha!), por mais que nos
afastássemos do papa e o evitássemos, arrancássemos o povo do papa por meio da
Palavra de Deus, que ele não quer ouvir nem tolerar.
São estas as coisas (afirmo eu) que o papa faz em sua
Igreja: destitui bispos e cabidos que considera hereges, e acha que desse modo
procedeu de forma excelente e justíssima. E o verdadeiro, legítimo Deus eterno
deveria tolerar em sua Igreja os que blasfemaram consciente e publicamente sua
majestade divina e seu nome, que seduziram seu povo, destruíram seu Reino,
colocaram o diabo em seu lugar e o adoraram? E não deveria apenas tolerar essas
coisas (como faz muitas vezes), mas considerá-las boas e justas, aceitar e
recompensá-las? Jamais empreender qualquer coisa contra isso, nem expulsar,
finalmente, o diabo, purificar sua Igreja e nomear verdadeiros bispos e
mestres? Nesse caso, com efeito, deveria ab-rogar, primeiramente, em especial,
os primeiros três mandamentos, renunciar a sua verdadeira divindade e negá-la
por completo. Aí podes esperar um bocado, até que ele faça isso! Ele não poupou
os anjos nem o antigo mundo, diz S. Pedro [2Pe 2.4s.]. Não poupou eternamente
sua cidade Jerusalém e seus rebentos e membros naturais, da linhagem de Abraão,
e agora haveria de poupar eternamente o diabo e seus membros, e recompensá-los?
Com efeito, o cabido de Naumburgo recebeu essa admoestação,
também na época do bispo duque Filipe da Baviera[21]
e conde palatino, etc., ou, muito antes, lhe foi encaminhado um reverente
requerimento contra seu regime voraz, no sentido de que permitissem que fosse
ensinada a Palavra de Deus, visto que eles próprios, que tinham esse dever, não
o queriam fazer nem providenciá-lo. No entanto, eles sabem muito bem, se
tiverem consciência, como reagiram, resistiram, perseguiram e (a verdade seja
dita!) cometeram toda sorte de arbitrariedades, até que os de Naumburgo e
Zeitz, além de outros estamentos da Fundação, se viram obrigados a apelar a seu
patrono hereditário e príncipe territorial[22].
Assim, com sua [238] ajuda e patrocínio, o santo Evangelho retomou, contra a
vontade do cabido[23].
Não obstante, também posteriormente a ira do cabido papista e de seu blasfemo
séquito idólatra, cortesões e de alguns chapéus grandes, altos e largos não
apenas continuou irrestrita, mas recrudesceu mais e mais, à medida que o tempo
passava (do que nada me compete saber, porque não sou profeta como Eliseu)[24].
Pois jamais fiz parte de seu celestial conselho. Mas sei
mais ou menos o que pensaram e planejaram entre si. A não ser que em Naumburgo
se tivesse criado um cabido, no qual a descendência da mulher e a descendência
da serpente se tivessem reconciliado secretamente, sem a ciência de Deus Pai
onipotente, e eu me tivesse enganado. Do contrário, estou esperançoso que isso
não acontecerá, e a descendência da mulher permanecerá eternamente em discórdia
e inimizade com a descendência da serpente; além disso, uma compreenderá as
maquinações e os pensamentos secretos da outra. De forma que a descendência da
mulher está em vantagem. Ela dominará, de modo que seu conselho e pensamento
secretos somente serão revelados à serpente quando tudo já estiver consumado e
realizado, e eles estiverem derrotados. Por outro lado, a serpente com toda sua
descendência e séquito só podem ocultar e mascarar seus elevados sábios planos
até o momento em que começarem a pô-los em prática. Assim se cumpre o que diz o
Saltério: “Não chegarão à metade” [Sl 55.23]. Pois recordo muito bem a palavra
dita por um cortesão: “Que conversa é esta! O papa é mais poderoso com seu dedo
mindinho do que todos os príncipes da Alemanha”. Estou inclinado a crer que o
cabido de Naumburgo e outros mais confiaram e ainda confiam nesse poder. É
assim que têm que falar os grandes quando estão no fim e prestes a cair, segundo
o cântico da mãe de Deus: “Derruba do trono os poderosos” [Lc 1.52].
Pois a causa do homem soberbo, seja ele imperador, rei,
príncipe, senhor, nobre, burguês ou camponês, seguramente terá seu fim. Porque
Deus não pode nem quer tolerar soberba, diz São Pedro: “Deus resiste aos
soberbos” [1Pe 5.5]. Aliás, ele tem poder [239] e autoridade suficiente para
derrubá-los, como procedeu até agora com muitos grandes reinos. No entanto,
quem não dá ouvidos há de experimentá-lo [no próprio corpo], como o
experimentaram todos eles.
O Império Romano teve que ruir quando estava no auge e
quando [os romanos] se ensoberbeceram e tinham a certeza que se diria:
“Estabeleci um império sem fim”[25].
Com efeito, também conforme a Sagrada Escritura, esse foi o império de ferro[26],
e o mais poderoso, como o mundo jamais o conheceu. E é verdade: os romanos
foram gente em comparação aos quais outros guerreiros eram guerreiros comuns, e
os turcos, verdadeiras mulheres, apesar de sua grande arrogância. Os romanos
não pelejavam com artimanhas, artifícios e ardis, mas encaravam o inimigo
corajosamente de frente, avançavam e arriscavam, como convém a esse povo de
ferro (assim denominado por Deus), inclusive quando derrotados e em situação
desesperada. Dos turcos e gregos não se afirma isso, nem de Aníbal[27]
ou de outro guerreiro qualquer. Não obstante, tiveram que ir à ruína.
Por essa razão, também nossos bispos e cônegos deveriam
moderar sua obstinação, pois ainda vive o Deus que destroçou os férreos romanos.
Evidentemente, ele também será capaz de destroçar um papa, bispo, cônego
carnal, de papel, se isso já não aconteceu, especialmente no conselho dos irim[28],
como os denomina Daniel, ou seja, no conselho dos anjos que governam o mundo e
protegem as Igrejas. Também o turco não irá mais muito longe, porque se tomou
demasiadamente arrogante com os humildes cristãos. Os irim lhe haverão de dar o
que merece. Disso, porém, não queremos escrever agora.
Assim, o cabido de Naumburgo recebeu, depois de terem escolhido
novo bispo, com o fito de preservarem seu livre direito de escolha e fortalecê-lo
mais do que antes, como advertência especialmente insistente, expressa
honestamente e de modo cristão pelo príncipe territorial e patrono, no sentido
de que a pessoa eleita, simpática aos papistas e inimigos e comprometida com
eles, não deveria ser tolerada nem aceita. Por isso solicitou com clemência que
eles, do cabido, escolhessem outro homem, um cristão, que não fosse
simpatizante do papa nem comprometido com ele, ou que ao [240] menos se tivesse
livrado do compromisso por meio da Palavra de Deus (que inclusive redime do
inferno e da morte, quanto mais de um falso juramento idólatra). Eles, porém,
desprezaram essa solicitação e insistiram em sua eleição já realizada, e se
propuseram a mantê-la em oposição e contra o príncipe-eleitor e patrono. Agora
estão obstinados ambos, a Igreja de Naumburgo juntamente com os estamentos e o
príncipe territorial e patrono. Não querem ouvir nem reconsiderar, mas instalar
no aprisco de Cristo em Naumburgo o lobo, isso é, o papa, Mogúncia[29]
e seus companheiros, na pessoa do bispo eleito, que prestou juramento ao papa e
está comprometido com Mogúncia; querem mantê-lo ali, ajudar a matar as almas,
expulsar a Palavra de Deus e causar ao príncipe territorial um desgosto após o
outro no bispado, especialmente nestes tempos difíceis. Acaso deveria ele, como
patrono do bispado e do cabido, dar cobertura a tudo isso e apoiá-los nisso? Ou
seja: ele deve ajudar a perseguir o Evangelho, adorar o diabo, permitir que,
sob sua proteção, o papa, Mogúncia e cortesãos façam suas intrigas, atraiçoem e
façam tudo o que quiserem, tanto contra a Igreja de Naumburgo quanto contra o
patrono do bispado que, afinal, ambos aceitaram o Evangelho e o confessaram
publicamente perante Deus e o mundo, contra o papa e seus seguidores. Com
efeito, isso se deveria deixar passar impune a um cabido papista e inimigo
público da Fundação e de seu patrono, ou seja, da Igreja e do Evangelho, e
ainda ajudar a defendê-lo! Isso, na verdade, significa exigir uma grosseira,
grande e desavergonhada incastidade: por causa dos filhos do diabo e gente
malvada, eu deveria negar e perseguir o Evangelho que tivesse aceito e
confessado por amor de Deus, para a salvação de minha alma, a fim de que eu
fosse sorrateiramente enganado. Depois de ter confessado publicamente o
Evangelho por meio de palavras, de repente se revelaria que o teria negado
secretamente e consentido em sua perseguição! Há mais de vinte anos estão
fazendo esse jogo conosco. Mas Deus esteve de nosso lado, e o intento deles
teve que fracassar.
Tive que rir da grande artimanha, quando me contaram que,
depois de o cabido de Naumburgo haver eleito secretamente um novo bispo [241],
eles o comunicaram ao príncipe territorial, no entanto, sem mencionarem a
pessoa. Não obstante, solicitaram a proteção para essa sua eleição e seu bispo[30].
Eles sabiam que tinham eleito um nome insuportável para a Fundação ou para a
Igreja, bem como para o patrono e príncipe territorial; sabiam que haviam
eleito intencionalmente o da oposição e que não seria tolerado. Por que então
pedem proteção? Para mostrar que sua intenção não era séria? Com isso zombaram
da Igreja e do príncipe territorial, pois sabiam muito bem que o papa (como
dito acima) tem mais poder no dedo mindinho do que todos os príncipes alemães;
esse decerto os protegeria. Apenas queriam, por forma, segundo costume antigo,
dar a impressão que pediam uma proteção a que não davam muita importância, se
comparada com o dedo mindinho do papa.
Se, todavia, tiveram intenção séria ao pedirem proteção, por
que agem traiçoeiramente? Por que não elegem um que fosse do agrado do patrono
e da Igreja de Naumburgo, e que não lhes fosse inaceitável, que merecesse a
proteção conforme foram admoestados sinceramente? Acaso pensam que sua
esperteza papística secreta é tão profunda e elevada que ninguém seria capaz de
perceber e perscrutá-la? Ora no céu existe alguém, presente também cá embaixo
em nossos corações, que toma os sábios em loucos, que apanha os inteligentes em
sua inteligência, como diz a Escritura[31],
visto que esses corações não apenas conhecem a mente e os pensamentos do diabo,
mas também os julgam, como diz a Escritura: “O príncipe deste mundo está
julgado”, etc. [Jo 16.11].
Disso, creio, haverá de se depreender com suficiente clareza
que a primeira questão está respondida, a saber, se é justo que a Igreja de
Naumburgo destitua o cabido de seu direito de livre escolha, ao ter escolhido
outro bispo. Pois, esta Igreja há muito se desligou da obediência ao bispo e ao
cabido e aceitou o Evangelho contra a ordem, proibição e tirania do bispo e do
cabido, ou seja, se livrou da obediência ao lobo e ao diabo [242]; pela graça
de Deus e com a colaboração do patrono da Fundação e príncipe territorial,
destituíram, no mesmo dia, tanto o bispo quanto o cabido de seu regime lobesco
(o que foi sua obrigação e ainda é, sob pena de perderem a salvação), separaram-se
deles, fugiram deles e os evitaram, como convém a verdadeiros cristãos, segundo
o ensinamento de Cristo em Mateus 7[.15]: “Precavei-vos dos falsos profetas”, e
em Jo 10[.5]: “Minhas ovelhas não ouvem a voz dos estranhos, mas fogem deles”,
como ouvimos acima.
Além do mais, visto que, após a advertência do príncipe
territorial, o cabido foi instado a escolher um bispo cristão (pois ninguém
queria, naquela ocasião, impedir sua livre escolha e tirar-lhes esse direito;
apenas se queria outra pessoa, que fosse aceitável para o ministério
episcopal), eles se negaram empedernidos, ninguém lhes tirou o direito de livre
escolha senão eles próprios, e não podem queixar-se a ninguém senão a si
próprios. E quando se queixam que alguém outro que não eles mesmos os teria
privado de seu direito, eles mentem como acristãos e renegados de Cristo. Pois
cá está a rigorosa sentença de Deus, da qual ninguém pode escapar:
“Precavei-vos de falsos profetas e fugi” [Mt 7.15], isso é, quem quer ser e
permanecer um falso profeta, não quer ouvir nem desistir, esse não deve ser
ouvido, sob pena de se perder a salvação, mas deve ser abandonado, evitado e
condenado e, naturalmente, também demitido e destituído. De sorte que lhes
acontece o que se dá com todos os falsos mestres, segundo o Salmo l[.4s.]:
“Como o vento dispersa a palha, os ímpios não prevalecem no juízo, nem os
pecadores na comunidade dos justos.”
E se a Igreja de Naumburgo ainda não o tivesse feito, ainda
estariam no dever de fazê-lo hoje, ainda que o cabido elegesse dezenas e
dezenas de bispos que não poderiam nem quereriam ser bispos cristãos. E a
Igreja de Naumburgo deveria dizer: Prezados senhores do cabido, elegei como
quiserdes, e tomai a eleger. Elegei mil vezes, vossa eleição não nos diz
respeito em absoluto. Ele não será nosso bispo, não podemos nem queremos vê-lo
nem ouvi-lo, nem ainda considerar a vós um cabido, até que vos tomeis um cabido
cristão e nos deis um bispo cristão. Pois não podemos submeter-nos a vosso
regime lobesco, nem abandonar por vossa causa o Evangelho uma vez aceito, negar
a Deus, blasfemar seu Filho [243] e, desse modo, ir convosco ao diabo por causa
de pecados alheios. E ainda que viesse um anjo do céu[32]
e no-lo ordenasse, sim, se sobre cada membro do cabido pousassem dez anjos
celestiais, seriam considerados anátema entre nós, e não queremos nem podemos
fazê-lo. Pois não convém a nenhuma criatura de Deus agir contra Deus e sua Palavra
revelada e vontade reconhecida, a não ser ao miserável diabo juntamente com
seus anjos e membros.
E mesmo que da parte do cabido ou de sua parte queiram
argumentar que não são lobos, mas prelados espirituais legítimos, desde a
antiguidade e que não estão ensinando nem fazendo nada de lobesco em seu
regime, etc. Embora fosse evidente que eles próprios sabem que não é assim e
que, no caso, falam contra sua consciência, não quero responder agora a isso,
até que veja o que têm a dizer a respeito. Então (se Deus quiser), sua sublime
arte há de esfregar-se na velha panela e levará a ferrugem que merece[33].
Acho que é suficiente e mais do que suficiente que há mais de vinte anos está
provado e demonstrado que não podem ser cristãos (que dirá bispos cristãos) os
que proíbem, condenam e perseguem a fé cristã, assassinam, incendeiam, nos ensinam
a confiar em obras próprias e que, até agora, não se emendam e ainda não se
penitenciam.
Proíbem consciente e arbitrariamente ambas as espécies do
Sacramento.
Defendem o artigo altamente abominável da missa.
Proíbem o matrimônio e alimentos, etc.
Quando alguma vez o cabido de Naumburgo se corrigiu e se
penitenciou nesses e em outros artigos? Muito antes, acaso não defenderam [seus
erros] impenitente, obstinada e conscientemente contra o Espírito Santo,
perseguindo, além disso, a Igreja de Naumburgo e torturando-a? E ainda teriam
feito coisas piores, se tivesse sido possível, por causa da proteção do
príncipe territorial. E agora, como prova e confirmação de seu espírito
lobesco, escolhem um bispo para que confirme e apoie seu procedimento lobesco
contra a Igreja.
[244] E para falar também de mim pessoalmente: quando estive
em Naumburgo, fiquei muito admirado que o senhor Júlio Pflug, homem ajuizado e
sábio, e que possui mais outros dons de Deus em abundância, apto até para o
papado, tivesse escrito um ofício tão desajeitado[34]
aos de Naumburgo, no qual enche a boca, dizendo que aceitou a eleição, ainda
que com resistência, e que quer mostrar-se clemente Para conquistar as pessoas,
ele deveria ter dito que iria deixar-lhes o Evangelho, o Sacramento, a fé e o
que mais haviam ensinado e estabelecido cristãmente até agora; embora não tivesse
coragem de defendê-lo contra o papa, quereria, de sua parte, deixar essas
coisas intocadas e sem restrição. Nisso, porém, não tocou com uma palavra
sequer, visto que sabia muito bem que nessa questão residia o maior interesse
da Fundação ou da Igreja (a graça e o domínio, porém, viriam por si só). Isso
porque sabe que não somente é suspeito, mas reconhecido como notório partidário
do papa, que o sustenta e defende; que isso é intolerável para a Fundação e o
príncipe territorial e que, por fim, seria um empreendimento inútil tomar-se
bispo com essa mentalidade impenitente. Visto que tanto o cabido quanto o
senhor Júlio atacam o assunto de modo tão desastrado e desajeitado em todos os
sentidos, eles têm que culpar-se a si mesmos quando as coisas andam de caranguejo;
a não ser que testemunhem contra si mesmos e que efetivamente condenem a si
mesmos, quanto ao que buscam no bispado. Sem dúvida, não o que serve para a salvação
das almas, mas seu proveito próprio, honra e luxo, pondo a perder as almas que
Cristo resgatou com seu precioso sangue.
Talvez também convencerão o povo simples e outra gente
simplória que ainda não foram reconhecidos como lobos e falsos mestres pela
Igreja, mas que são considerados bons cristãos. Com efeito, isso é um discurso
sábio e inteligente. Se as ovelhas não devessem fugir do lobo até que os lobos
as mandassem fugir por meio de seu concílio cristão e sentença pública, muito
em breve o aprisco estaria [245] vazio, e dentro de um dia o pastor não
encontraria nem leite, queijo, manteiga, lã, carne, nem mesmo uma pata; isso
então se chamaria de pastorear as ovelhas. Que fez Cristo, nosso SENHOR, ao nos
mandar e ordenar a nos precavermos do lobo, sem esperar primeiro pelo concílio
dos lobos? Pois não somente o rebanho todo, mas cada ovelha individualmente tem
o direito e a autoridade de fugir dos lobos, sempre que puder, como, aliás, o
faz em Jo 8 [sc. 10.5]: “Minhas ovelhas fogem dos estranhos.”
Como? Acaso eles não têm juristas de seu lado? Acaso todos
enlouqueceram e se tomaram tolos? Os juristas de nosso partido e toda a razão
dizem que ninguém deve ser seu próprio juiz, como, aliás, o proíbe com muito
mais rigor nosso Livro, a Sagra da Escritura. Ora, é sabido que nós nos tomamos
a parte de oposição ao papado e eles, por sua vez, a oposição a nós. Quem quer
ou deve ser juiz nessa questão? Ninguém está acima do papa ou do papado senão
Deus somente, como ele mesmo confessa (a grande contragosto). Ora, aqui Deus é
juiz por meio de sua santa Palavra, o que eles próprios têm que admitir. Por
que então, não obstante, eles seriam juiz, se constituem uma das partes e
confessam que a Palavra de Deus os condena e é contra eles? Acaso creem eles
que devemos temer aqueles que se sentem vencidos e condenados pela Palavra de
Deus? Seria o caso de nos divertirmos às custas desses tolos, ou de rezar por
pessoas tão perdidas, mas temer esses mascarados do diabo - isso não podemos,
mesmo que estivessem em jogo corpo, bens ou honra.
Pois eles estão instalados na herança e no que lhes pertence
por direito adquirido, isto é, possessorium, praescriptio[35].
Ora, todo o direito afirma que não se deve destituir a ninguém de sua herança,
etc. Nesse ponto, as coisas parecem escapar de minha alçada e se tomar
perigosas demais. Donde conseguir um bom advogado e procurador? Não obstante, a
resposta é simples: [246] Deus é Deus. Ele não admite a nenhuma criatura nem
herança nem direito de posse contra si e sua Palavra. Pois ele é eterno, e
eternidade excede a toda herança e posse. Do contrário, a serpente simplesmente
teria vencido contra Deus, visto que, desde o princípio do mundo, fortaleceu
sua descendência contra a descendência da mulher e sempre lhe mordeu o
calcanhar, até hoje, e o fará até o fim do mundo.
Caso se tratasse de vacas, quem as iria agarrar pelo rabo,
isto é, caso se tratasse de bens temporais e mundanos, aí valeriam a herança e
coisas semelhantes. Em questões espirituais e eternas, porém, do que estamos
tratando agora, nada valem herança, direito de posse, direito, justiça,
santidade, religiosidade, nem mesmo todos os anjos do céu, mas somente Deus é
tudo em tudo, a toda hora, em todo tempo, em todo lugar, em todas as pessoas,
pois ele há de ser livre, nada tendo a ver com herança e direito adquirido, ou
então, tudo será entregue por herança e direito adquirido no inferno, como,
aliás, fará de qualquer modo no dia derradeiro. Portanto, nesse caso, calai a
boca e deixai de argumentar com vossa herança, direito adquirido, ou como o
quereis chamar. A Deus e a este assunto espiritual isso não interessa o mínimo.
Que isso vos sirva de orientação. De qualquer forma não dará outra. Ele tem
poder de expulsar o diabo a toda hora, nisso não o podeis impedir; igualmente
tem o poder de mudar a constituição do mundo inteiro. Para isso não pedirá
vosso conselho. Quem quererá prescrever-lhe alvo, tempo, direito, lugar e
pessoas, quando é ele que tem que criar, fazer e conceder todas as coisas?
Isso basta quanto à primeira questão, pois quem não tem
ouvidos não pode ouvir, e quem é cego não pode enxergar. Quem tem ouvidos ouviu
o suficiente com o que expressamos até aqui. Por sentença de Deus está
decidido: um lobo não pode ser bispo em sua Igreja cristã. E ainda que
imperador, reis, papa e todos os diabos o ordenassem ou quisessem diferente,
não podem impedir as ovelhas de Cristo a ouvirem a voz de seu pastor, nem
ordenar que obedeçam à voz dos lobos. E mesmo que o tentassem, hão de ser
lobos, e sua ordem deve ser rejeitada como os próprios lobos Pois assim o quer
Deus, em comparação ao qual todos os imperadores, sim, todos os diabos são um mero
nada, como diz Isaías [40.17].
Também teremos que responder à segunda questão: se a Igreja
ou a Fundação de Naumburgo deve ser considerada perjura porque elegeu outro
bispo, [247] em oposição à eleição do cabido. Aí, evidentemente, está o nó da
questão e esse é o assunto capital. Pois sabemos, e a outra parte também não o
pode negar, que não estão lutando por um autêntico bispo cristão, que provesse
a Igreja com a Palavra de Deus e os sacramentos, mas que o caso estaria
resolvido com o juramento e a submissão (sem perguntarem por Igreja e Deus). Aí
então fariam com Naumburgo o que bem entendessem. Naturalmente, não se deve
estar constipado para cheirar esse assado.
Nossa resposta simplória, indouta, tola, ovina (pois
comparados a essa lobesca inteligência ardilosa e insondável, com efeito, não
passamos de simplórias, tolas ovelhinhas) consiste no que está escrito:
“Precavei-vos dos profetas vestidos de ovelhas”, Mt 7[.15], e “fugi da voz
(doutrina) dos estranhos”, Jo 8 [sc. 10.5]. Com essa decisão, nós, como pobres,
tolas ovelhas, queremos satisfazer-nos por ora, como pessoas que não o sabem
melhor e não têm maior entendimento, até que nos convençam de algo melhor. Com
isso, porém, não contamos de forma alguma, nem o podemos esperar eternamente.
Sendo a firme sentença de Deus, como nós tolas ovelhas
cremos, que não devemos dar ouvidos aos lobos, mas fugir deles, a natureza nos
ensina que não devemos prestar juramento a nenhum lobo, nem prestar-lhe
homenagem, pois não posso prestar homenagem nem juramento a alguém a respeito
do qual Deus ordenou que o evitasse como seu inimigo. E se eu tivesse prestado
homenagem e juramento a algum lobo que se tivesse apresentado como verdadeiro
pastor sob pele de ovelha e, se depois, uma vez tirada a máscara, eu reconhecesse
o lobo, eu deveria correr e gritar: Miserável lobo voraz! Não foi a ti que
prestei homenagem e juramento, mas a meu verdadeiro pastor. Que o diabo te
carregue! Enganaste a mim, pobre ovelha, querendo devorar-me!
Se não compreendem essa comparação, eu a explicarei melhor
em outra oportunidade. Pois o assunto é tão evidente que, como creio, eles
mesmos não têm nada a resmungar. Pois no momento [248] não está em debate se se
deve cumprir jura- mento, promessa de fidelidade ou compromisso. Nós aqui (graças
a Deus) não somos asnos, gansos ou patos tão grosseiros que não soubéssemos, ou
primeiro tivéssemos que aprender dos papistas que juramentos e compromissos
devem ser cumpridos. Isso ensinamos e escrevemos melhor, a partir da Palavra de
Deus, do que eles o pudessem ensinar com suas futilidades tolas e dejetais[36].
A questão é se esta é a pessoa à qual se deve prestar juramento e prometer
fidelidade, e se é preciso cumprir o juramento e a promessa de fidelidade
prestados (de modo tão enganoso a que se foi seduzido). Nesse ponto, deveriam
abrir a boca e vociferar contra nós. Aí estaríamos dispostos a ouvir o que sua
gritaria tem a dizer. Mas aí silenciam. No entanto, entrementes, enchem os
ouvidos de outra gente e são extraordinariamente sábios: Juramento, juramento,
juramento! Perjúrio, perjúrio!
No entanto, anima-te, apresenta-te e prova-o! Se não o
provares, tua ira revela o asno, o asno-papa, que nada sabe senão zurrar um
“iah! iah!”. Isso já estamos acostumados (Deus o sabe!) e o desprezamos, pois
sabemos como um asno costuma zurrar e que jamais pode nem quer aprender outra
canção. Se agora enchem a boca e vomitam: Juramento, juramento! Juramento deve
ser cumprido!, também nós temos que encher a boca e clamar: Bispo, bispo! Que
se nos dê um bispo! Onde não há bispo, não há juramento; onde não há juramento
ou somente um juramento nulo, não pode haver perjúrio, o que qualquer criança
entende, pois “os relativos se colocam e anulam reciprocamente”[37].
Para que se possa prestar um juramento, são necessárias duas pessoas: a que
presta o juramento e a que recebe o juramento. Se falta uma das duas pessoas, o
juramento é nulo. Se não existe a pessoa que recebe o juramento, o juramento e
prestado ao vento e ao senhor Ninguém; se não estiver presente a pessoa que
deve prestar juramento, a outra parte está aí boquiaberta, e entrementes lhe
poderá entrar uma mosca pela boca, porque não há ninguém para prestar
juramento.
Vejo-me obrigado a falar dessas coisas de modo grosseiro e
pueril. Não que eu pensasse que os papistas não o entendessem nem o soubessem,
mas para mostrar como os caros fidalgos (pois eles o entendem muito bem) não o
querem entender por maldade e intencionalmente, querendo que essa sua gritaria
e revide falso impressionem a gente simples (como é do agrado entre nossos
adversários), quando eles mesmos há muito já não mais ousam acreditar no que
dizem. [249] Eles, porém, pensam: Qualquer argumento é válido, para que, de
modo algum, Cristo seja SENHOR sobre nós! “Não queremos que este reine sobre
nós” [Lc 19.27]. Por isso, do mesmo modo como eles tapam os ouvidos e não
querem ouvir nossos argumentos, também nós tapamos os ouvidos, para não ouvir
seus clamores, latidos, ganidos, lamentos e blasfêmias, até que intervenha
aquele a quem pertence a causa, pois sabemos que não é nossa. Assim venho
procedendo há muitos anos, externei minha opinião e deixei que o Dr. Porco,
Ridículo, Lorpa, Ferreiro, Ranhudo, Lambedor de Pratos, Pinico, Henrique,
Mogúncia[38]
e outros mais latissem, ganissem praguejassem e raivejassem à vontade; não lhes
dei nenhuma atenção e deixei causa nas mãos daquele ao qual ela pertence. Esse
até agora fez com que se com- portassem como dementes, loucos e alienados. Por
fim, tiveram que coçar-se atrás da orelha, com vontade de matar-nos todos. Pois
está próximo o dia que aguardamos e que eles têm que temer, por mais tenazmente
que o desprezem. Essa confiança temos contra a confiança deles. Aguardemos
confiantes para ver quem saíra vencedor naquele dia. Seremos seus juízes
naquele dia, a não ser que não exista Deus no céu e na terra, como pensam o papa
e os seus.
E por que o infernalíssimo padre e todos eles não aceitam
nenhum juramento (especialmente aquele que é contra eles) que é contra Deus e o
direito, ou arrancado à força? Conforme o provérbio: Juramento sob coação
desagrada ao próprio Deus. Tanto os livros dos teólogos quanto os dos juristas
estão repletos de máximas deste tipo: “No caso de promessas malfeitas se está
livre de manter a palavra empenhada”, ou: “No caso de promessas malfeitas,
rescinde a palavra empenhada"39[39],
[250] e outras mais. Para fundamentar isso, aduzem os ditos dos pais,
Agostinho, Isidoro e semelhantes. Por que aqui declaram nulos os juramentos
proibidos ou mal-entendidos? Por que revogam esses juramentos? Por que proíbem,
além disso, o cumprimento desses juramentos e ordenam renegá-los o quanto antes
e a fazer exatamente o contrário? Ou haveremos que ser nós cristãos os únicos
obrigados a cumprir juramentos proibidos ou prestados por engano, contra Deus e
o direito, depois de havermos constatado que prestamos juramento à pessoa
errada e contra Deus? Se eu tivesse prestado juramento ao diabo na forma e no
nome de Deus e descobrisse, posteriormente, que foi o diabo, estaria eu obrigado
a cumprir o juramento, ou deveria ser considerado perjuro se não o cumprisse?
Seguramente que não. Agiria como cristão piedoso, que foge de um juramento
desses e diria: Arreda diabo! Não prestei juramento a ti, mas a meu amado Deus.
Tu me enganaste sob o nome dele!
Ah! quem seria capaz de enumerar todos os exemplos,
inclusive em questões materiais, que acontecem diariamente no mundo, quando
somos enganados por meio de falsos documentos, palavras, juramentos, alianças,
compromissos, etc.? Quantos casos há somente na área de promessas de casamento,
onde se tem que anular juramentos falsos e revogar o dote nupcial e tudo o
mais? Preciso usar um exemplo ridículo, porque queremos ser bem explícitos.
Aconteceu em Erfurt, quando eu era bacharel. Naquele tempo apareceu ali um
Conde de Henneberg[40],
que vivia luxuosamente, a ponto de a Universidade elegê-lo como seu reitor
(como sempre foi costume honrar os senhores). Ele aceitou ser tratado como
reitor e desincumbiu-se do papel de reitor. Pouco tempo depois surgiu o boato
de que ele não era Conde de Henneberg, mas bordador de seda. Logo depois, ele
desapareceu, pois, de fato, ficou comprovado que não se tratava do Conde de
Henneberg, mas de um bordador de seda. Ora, naquela época encontravam-se em
Erfurt teólogos e juristas, como o doutor Henning Gödde e as mais excelentes
pessoas, afamadas na Alemanha, e todos tomaram o bordador de seda por Conde de
Henneberg e seu reitor.
[251] Que aqui julguem todos os juristas, sim, o mundo
inteiro, se a Universidade, em especial nós, jovens estudantes (que, afinal,
formam um só corpo com a 20 Universidade), que lhe havíamos prestado juramento
como reitor, tivemos a obrigação de considerá-lo reitor e seguir-lhe com nosso
juramento por onde fosse, ao bordel, ou à casa de meretrício que, com certeza,
também frequentou? Ou se nós deveríamos ter cumprido o juramento para com o
Conde de Henneberg, enquanto eles próprios nada queriam saber desse Conde de
Henneberg? A quem, afinal, prestamos juramento? A resposta é fácil: prestamos
juramento ao reitor verdadeiro, esteja ele presente agora, ou venha depois. Se ele
não estiver presente agora ou se estiver presente um falso, o juramento não
compromete, até que venha o verdadeiro reitor; e ninguém pode ser considerado
perjuro até que fique comprovado que não cumpriu o juramento para com o
verdadeiro reitor.
Esta é a situação atual dos de Naumburgo. Eles têm a
obrigação de prestar juramento ao bispo e de se manterem fiéis a ele. Do
contrário, é justo que sejam chamados de perjuros. Quando, porém, o bispo não é
o bispo legítimo, o juramento não compromete, mas espera e aguarda até que
venha o legítimo bispo. Foi isso que os de Naumburgo fizeram. E o juramento que
prestaram até agora ao falso cabido ou ao falso bispo teve que ser deixado de
lado por algum tempo. Agora, porém, que perceberam que não existe cabido ou
bispo legítimo, não podem prestar juramento ao cabido ou bispo ilegítimo, nem
cumpri-lo. Devem esperar pelo bispo legítimo e prestar juramento a este a seu
tempo. Ora, isso são palavras claras e compreensíveis, se lhes quisessem
prestar atenção.
Por essa razão, não ocorreu nenhuma mudança no juramento, na
Fundação de Naumburgo. Eles continuam sendo as mesmas pessoas juramentadas,
como antes, e juramento e obediência permanecem inalterados. O fato, porém, de
se ter mudado a pessoa do bispo não é culpa da Fundação e, sim, do cabido e do
bispo por ele eleito, que se depuseram a si mesmos, perdendo o bispado e
tomando-se indignos dele, como gente que não quer tolerar a Palavra de Deus em
sua Igreja. Isso, de forma alguma, é culpa da Fundação.
Possivelmente não há necessidade de recorrer a artifícios
tão incisivos e elevados (para também eu estufar um pouco o peito e mostrar
minha erudição) contra a santa Igreja papal, para demonstrar que, desta vez, os
de Naumburgo não podem ser chamados de perjuros, visto que já muito antes
quebraram esse juramento, no dia e na hora em que aceitaram o Evangelho,
livrando-se, desse modo, da obediência e do juramento [252] (prestado ao bispo
ou ao cabido), de sorte que, evidentemente, neste caso, não necessitam de minha
desculpa ou conselho. Por que não se os acusou de perjúrio naquela ocasião?
Pois, depois de terem aceito o Evangelho, inclusive contra a proibição do
próprio papa (que dirá do bispo e do cabido), e tendo permanecido fiéis a ele
por tantos anos, está suficientemente claro que não só caíram no banimento e
desfavor do bispo e do cabido, mas também no banimento, maldição e desfavor do
santíssimo deus e padre de Roma e que, juntamente conosco, não se tomaram
apenas perjuros, cismáticos, hereges, merecendo todos os demais belos nomes que
nos atribuem, mas também infiéis e blasfemadores de Deus, se é verdade que o
infernalíssimo padre de Roma é Deus ou cabeça da Igreja, como nos ensinam, o
que, porém, nós ainda não aceitamos (graças a Deus!). Ora, se somos infiéis,
perjuros, hereges contra o deus de Roma, não nos importa quando somos chamados
de perjuros contra seus anjos, isso é, seus bispos e cortesãos, pois
consideramos esse deus e seus anjos (como também os considera o verdadeiro
Altíssimo Deus) diabos e serviçais do diabo.
Não obstante, com isso não transgredimos o direito
eclesiástico; pelo contrário, agimos de acordo com o direito papal, no qual o
próprio infernalíssimo padre ensina (embora não seja seu direito, mas o direito
natural[41])
que não se deve cumprir o juramento prestado contra Deus e o direito, mas que
se deve rompê-lo: “Em caso de juramento malfeito, rescinde a palavra empenhada”[42],
conforme referido acima.
E por que fazer tantas palavras? Até mesmo um animal
irracional é capaz de saber, ver e perceber que o papa e seus serviçais não são
nem bispos nem governam eclesiásticos; isso também eles mesmos o sabem melhor
do que se o pode descrever ou relatar; ainda são tão empedernidos que querem
obrigar primeiramente sua própria consciência e depois, a nossa a agir contra a
verdade reconhecida, sabendo conosco perfeitamente que isso é vão e, além
disso, altamente condenável. °
Como nós, eles sabem muito bem (afirmo eu) que de nenhum
livro se pode aprender o que é a Igreja ou o bispo, a não ser da Sagrada
Escritura. Os dejetos do papa, o Alcorão do turco e o Talmude dos judeus não o
ensinarão, nem podem fazê-lo. A Sagrada Escritura é o livro dado a sua Igreja
por Deus, o Espírito Santo, no qual ela tem que aprender o que é a Igreja, o
que ela deve fazer, sofrer, o que há de acontecer com ela. Onde termina o
Livro, termina também a Igreja. Pois ele diz que sua Igreja [253] não dará
ouvidos à voz de estranhos[43];
disso já se falou o suficiente e isso está firmado e selado com suficiente
firmeza contra todas as portas do inferno[44].
Ora, esse Livro está disponível (graças a Deus!) em latim,
grego, hebraico e agora também em alemão[45],
no qual se pode ler e entender perfeitamente o que é e o que se deve entender
por Igreja e bispo, a despeito dos dejetos e das dejetais do asno-papa: um
bispo deve ser santo, pregar, batizar, reter e absolver o pecado, consolar a
ajudar às almas a encontrarem a vida eterna, como S. Paulo escreve a Timóteo e
Tito[46].
Juntem-se todos os papistas e se nos mostre um único bispo que leia esse livro
do Espírito, o estude e se atenha a ele: que pregue, batize, que se preocupe
com a Igreja, isto e, com as pobres almas. Se o puderem, queremos aceitar de
bom grado que nos acusem de hereges, perjuros e blasfemadores. Acaso acreditam
esses ilustres sabichões que nós somos meras toras, tocos e pedras, que nada
entendem de sua elevada sabedoria? Visto, porém, que desprezam o Livro e não se
orientam por ele, antes o condenam em nós, eu gostaria de saber por que razão
querem considerar-se bispos e Igreja, ou por que exigem de nós o juramento, o compromisso
e a obediência, prestados a um bispo, visto que não querem ser nem bispos nem
Igreja, antes querem continuar sendo, de modo impenitente e faraônico, inimigos
e perseguidores tanto dos bispos quanto da Igreja, sim, do próprio Deus.
No entanto, não insistimos tanto que um bispo, no que diz
respeito a sua pessoa, exerça esse ministério episcopal. Com todo prazer
queremos assumir também isso perante Deus e, no juízo derradeiro, ajudar a
carregar e responsabilizá-lo, para que sigam o exemplo de S. Valério. Ele era
bispo de Hipona e pregava mal por causa de problemas linguísticos. Por isso
solicitou publicamente que se procurasse alguém que pregasse em seu lugar.
Então tomaram Sto. Agostinho e o obrigaram a ser pregador. Como ficou contente
o bispo S. Valério, por ter ganho um pregador essa categoria capaz de
defender-se dos hereges e edificar as Igrejas com sã doutrina, embora Sto.
Agostinho se tenha arrependido quando ficou sabendo que os bispos na Grécia
reclamavam pelo fato de um sacerdote estar pregando em lugar do bispo (pois
naquela época ainda se preservava a ideia de que pregar é o ministério supremo
da Igreja). Mais tarde, escreveu que, se tivesse sabido isso, jamais teria
aceito o ministério da pregação enquanto seu bispo estivesse vivo.
[254] Assim também nós nada mais desejamos do que isto: se
os bispos ou cabidos não podem pregar pessoalmente ou cuidar das almas, que o
providenciem por meio de outras pessoas capazes, ou, se também não conseguem
fazer isso, que permitam que as Igrejas procurem e aceitem, com o conhecimento
deles, pessoas aptas que tenham a proteção deles ao invés de serem perseguidas.
Ora, que outras concessões deveríamos fazer? Isso não é concessão suficiente?
Jamais foi nossa intenção destruir as fundações, mas
queríamos estabelecer um exemplo como se poderiam reformar as fundações e
administrá-las cristãmente. Deseja-se (pois isso o deseja o próprio Deus) que a
pessoa acristã seja transformada, ou seja, que o coração e o mau comportamento
exterior sejam melhorados. O Evangelho não quer que homem e mulher se separem,
abandonem lar, filhos e criadagem. Também não deseja que reis, príncipes,
senhores, burgueses, camponeses, empregados, empregadas mudem de ofício ou
abandonem o seu, antes ordena que permaneçam nele[47].
Pelo contrário, Deus quer que mudem sua crença e abracem a fé verdadeira,
renunciem à fé falsa, ao erro, idolatria, heresia, etc., e que, na fé genuína e
na verdade, exerçam cristãmente e de modo bem-aventurado seu oficio e
profissão, no qual estão ou no qual o Evangelho os encontra, que o bispo exerça
seu ministério episcopal, o cônego seu ministério canônico, para os quais foram
ordenados e instituídos.
Pois, com efeito, posso gloriar-me de ter conversado por
mais de uma vez com o piedoso senhor, príncipe Jorge de Anhalt, prepósito de Magdeburgo,
meu clemente senhor, tendo rogado que Sua Clemência Principesca aconselhasse e
se empenhasse junto aos altos bispos e às fundações no sentido de
providenciarem que as fundações não fossem destruídas, isso por diversas
razões. Pois não gostaria de vê-las destruídas e isso não seria bom para a
Alemanha, especialmente, nessa época em que a ganância endoideceu, enlouqueceu
e desvairou o mundo.
Que mal faria aos bispos se, segundo esse exemplo, se
tomassem puros Valérios: que mandassem executar por outros o que eles próprios
não podem fazer; que fossem à procura de tais Agostinhos em suas Igrejas e, se
não existissem, colaborassem para que fossem formados em escolas e fundações;
que eles permanecessem o que são, tivessem o que têm, deixassem [255] de
perseguições, extermínios e blasfêmias; aceitassem a verdade reconhecida,
contribuíssem para que as Igrejas estivessem bem providas? Pois se o cabido de
Naumburgo tivesse procedido desse modo, como lhe fora aconselhado, sua eleição
não teria sido contestada, e teriam sido poupados dessas mudanças.
Agora nossas autoridades seculares têm que ser bispos de emergência,
proteger a nós pastores e pregadores (visto que o papa e seu bando não age
nesse sentido, mas faz o contrário), para que possamos pregar e servir às
Igrejas e escolas. É como diz Isaías: Reges nutricii tui, “reis te alimentarão,
e rainhas te amamentarão” [Is 49.23], como, aliás, o fizeram quase em demasia
no passado e ainda o fazem onde o Evangelho os converteu.
E se esses bispos e cônegos não quiserem contrair
matrimônio, que permaneçam como estão. No entanto, que não pratiquem a
fornicação. Se casassem, poderiam economizar algo de suas rendas, que gastam
hoje de modo escandaloso com fornicação e meretrício, para a mulher e os
filhos, com o consentimento do cabido, sem prejuízo para a Fundação. Pois bem,
isso até agora foi considerado um conselho tolo, e eu passo por tolo. Como,
porém, se trata de um conselho de Deus, é o conselho de um tolo sábio. O fato,
porém, de os conventos mendicantes irem à falência, é útil e necessário. Pois
não se trata apenas de uma instituição acristã. É um sustento vergonhoso o fato
de não possuírem nada próprio e importunarem diariamente as pessoas, tornando-se
um peso para o mundo. Também gostaria que os grandes conventos, de alto nível
que, não sendo sede episcopal, se equiparam a um bispado, não fossem destruídos,
mas transformados em escolas, onde houvesse necessidade. Isso seria uma boa
ajuda para a pobre nobreza e eles poderiam tornar-se pessoas úteis, enquanto
agora não passam de pançudos que se cevam como ratos e camundongos nos
celeiros.
Em vista disso, os irmãos, meu clementíssimo e clemente
senhor, duque João Frederico, príncipe-eleitor, e duque Ernesto, prometeram
que, como príncipes territoriais e patronos da Fundação de Naumburgo, deixariam
a Fundação intacta e iriam preservá-la como corporação jurídica, como tem sido
até agora, sem [256] nada tirar dela. Fizeram isso na qualidade de patronos da
Fundação, e tiveram que proceder desse modo para preservar as Igrejas da
Fundação no santo Evangelho e na verdade reconhecida, agindo, nesse caso, como
verdadeiros bispos de emergência, visto que o cabido prefere o caminho errado.
Também é intenção séria do príncipe- eleitor e do príncipe estabelecer um exemplo
verdadeiramente cristão para os outros bispados, se o quisessem aceitar, para o
bem-estar e benefício deles mesmos e de seus súditos. Pois certamente está na
hora de a Alemanha fazer penitência; a vara está à porta, e a penitência ainda
é rara. Não obstante, é impossível que Deus esteja conosco, se não nos
emendarmos.
Isso a respeito do segundo ponto, o juramento. A terceira
questão é se pode ser responsabilizado que o bispo de Naumburgo concordou em
receber a ordenação ou a imposição das mãos desses hereges hostis e apóstatas
da Igreja papal. Quanto à minha pessoa, nada tenho de bom a dizer a meu
respeito, muito menos de que gloriar-me. Sou nascido e ainda vivo em pecado e
morte, como todas as pessoas, sob o diabo, desejando melhorar, embora não
esteja mais sob o domínio do diabo. Se em mim existe algo de bom, então isso
não é meu e sim, de meu amado SENHOR Deus e Salvador Jesus Cristo, cujos dons
não devo negar: que entendo bem melhor a Sagrada Escritura (embora a entenda
pouco) e que sei bem melhor como ordenar um bispo cristão do que o papa
juntamente com todos os seus que, juntamente com todos os bispos, são inimigos
da Sagrada Escritura e da Palavra de Deus, e que não sabem o que dizem ou
prescrevem, 1Tm 1[.7], nem mesmo o que fazem ou deixam de fazer.
A meu ver, porém, não se preocuparão muito com isso. [257]
Pois suas próprias leis ensinam que é legítima a ordenação de um bispo
realizada por um simoníaco ou herege. E mais ainda, consideram-na legítima,
ainda que realizada pelo mais escandaloso papa, como Bonifácio VIII, Júlio II,
Clemente VII[48],
por exemplo, e até mesmo se o próprio diabo a tivesse realizado no ministério.
Pois o que importa é que a Igreja e o bispo sejam concordes, e que a Igreja
esteja disposta a ouvir o bispo, e o bispo esteja disposto a instruir a Igreja.
Foi isso que aconteceu. A imposição das mãos, a bênção confirmam isso e o testemunham,
como um notário e testemunhas atestam uma causa secular, ou como o pastor que
abençoa noiva e noivo confirma e testemunha seu matrimônio, que eles acertaram
anteriormente e confirmaram publicamente. Seja o pastor um anjo ou um diabo —
uma vez realizado o ofício, o casamento está abençoado.
Seja como for, que os papistas digam o que quiserem — nossa
consciência está firme e livre perante Deus, sabendo que procedemos
corretamente. Pois estiveram presentes nessa ordenação e impuseram as mãos não
somente eu, mas também os seguintes bispos e pastores, se assim quisermos
chamá-los: doutor Nicolau Medler, pastor e superintendente em Naumburgo; mestre
Jorge Espalatino, pastor e superintendente de Aldenburgo; mestre Wolfgang
Stein, pastor e superintendente de Weissenfels, conforme o costume da Igreja
antiga e como ensinam os antigos cânones: que se ordene um bispo na presença
dos bispos das cidades vizinhas, como foi feito no presente caso. Também a
Igreja e o povo esteve presente, além da presença pessoal dos príncipes
territoriais e patronos.
Se, porém, os papistas ainda não estiverem satisfeitos, encarregamo-los
da seguinte tarefa: se purificarem de alto a baixo seus papas, cardeais, bispos
abades, cônegos e pastores, após legítima livre escolha, [258] de simonia,
favorecimento intrigas, pactos, alianças e outros vícios abomináveis que
tomaram conta entre eles de modo descontrolado e incorrigível, contrariando
suas próprias leis, e tirarem primeiro essa trave de seu olho, também nós
queremos, de bom grado, permitir que tirem a nossa felpa. Se não, nós lhes
diremos: coadores de moscas e engolidores de camelos![49].
Primeiro limpai vossa própria ... (bem sabeis a que me estou referindo), antes
de nos mandarem assoar o nariz. Não faz sentido um porco querer ensinar a uma
pomba a não comer nenhum grãozinho sujo, quando ele próprio de nada gosta mais
do que o esterco que os agricultores atiram atrás da cerca. O segundo ponto
entendeis perfeitamente. Onde jamais se realizou livre eleição em cem anos? e
até mais? Quem foi bispo desde então que não tivesse que comprar o cargo do
papa? Disso [falaremos] em outra ocasião.
Também não há nenhuma razão para se queixarem da pessoa do
bispo. Ele é da nobreza, para não poderem reclamar que estariam sendo cerceados
em sua reputação com pessoas de classe inferior, de modo que precisam
reconhecer que não se causa prejuízo ao bispado. Visava-se somente uma pessoa
que fosse decente e crista. E ele, com efeito, é ricamente dotado por Deus,
conhecedor da Sagrada Escritura e bem instruído nela, mais do que todos os
papistas juntos; além disso, leva uma vida honesta, é de coração fiel e
sincero, é celibatário, de modo que, conforme as próprias leis bispais,
deveriam eleger um bispo assim (se quisessem fazer a melhor escolha). Também
conforme a Sagrada Escritura, ele é irrepreensível, de acordo com a descrição
de um bispo por São Paulo em Tt 1[.7] e 1Tm 3[.2], No entanto, para fazer jus a
Deus nosso SENHOR, perante ele nenhum ser vivo é justo[50].
Todos têm que viver perante ele de sua exclusiva graça e misericórdia.
Quanto aos bens ou governo secular (no que reside o maior
interesse dos papistas), já disse acima que com isso o bispado não será
fracionado, mas há de permanecer uma corporação livre, como antes, com todos os
seus direitos. Pois assim como não devemos arrancar dos pastores as
benfeitorias paroquiais e seus direitos (porque um pastor não pode comer mãos e
pés), também os bens continuarão pertencendo ao bispado (que é uma grande
paróquia). [259] Pois é bom e proveitosos paras todos, para as fundações, para
os príncipes territoriais e para o território que não sejam repartidos, como
dito acima.
Porém, ouvi dizer que o senhor Júlio estaria se queixando,
inclusive através de ofícios, que meu clementíssimo senhor, o príncipe-eleitor,
estaria querendo sujeitar a Fundação a seu domínio e incorporá-la em seu
território, etc., e que ele jamais teria sido contra o Evangelho, mas procura
governar cristãmente, a fim de salvar de perdição as almas da Fundação. Se
assim fosse, seria uma lástima por causa do senhor Júlio, que estaria cometendo
um erro tão vergonhoso com essas mentiras públicas e acusações falsas.
Primeiro, porque acusa meu clemente senhor, o
príncipe-eleitor, de querer subordinar a Fundação a seu domínio e privá-la de
sua independência, usurpá-la do Império, etc. Isso não é verdade. Pois as coisas
não foram feitas na clandestinidade, mas foi dito em Naumburgo, inclusive por
mim (embora eu nada sou), aos estamentos e conselheiros da Fundação que a
intenção não seria a de impor qualquer restrição a Fundação. Na época, preguei
isso publicamente[51],
de modo que é impossível que esse discurso, posicionamento e pregação pública
não tivessem chegado ao conhecimento dele, e que ele, apesar disso, fosse
expor-se publicamente com essas afirmações falsas. Quero ver (se eu [260]
estiver vivo) como conseguirá defender-se com honra e decência. Pois isso é
mentira pública, disso tenho certeza. E se ele for apanhado numa mentira
dessas, feita pública e conscientemente, ele verá o que se pensará e dirá a seu
respeito.
Depois, quanto ao fato de se gloriar de jamais se ter oposto
ao Evangelho, e que queria proceder cristãmente na Fundação, digo para mim
mesmo. Há mais de vinte anos estivemos estudando sua linguagem, o que entendem
por Evangelho, Igreja, cristianismo, bispo. E se não o entendemos já
anteriormente, no ano passado Henrique Incendiário[52]
nos fez tanto fogo em nome de todos eles, que tivemos que vê-lo perfeitamente,
por mais intensa que tivesse sido a escuridão entre nós. Eles nos ensinaram a
entender sua linguagem, o que entendem por Igreja, cristianismo e Evangelho. Em
contrapartida, também Deus já acendeu um fogo no abismo do inferno, à luz do
qual também haverão de enxergar com clareza e ler o que Cristo chama de Igreja
e Evangelho entre nós.
No entanto, ainda não ouço que ele se pronunciasse no
sentido de manter a Fundação como agora ensinam e acreditam (o que, aliás,
deveria fazer e é de seu dever, se sua intenção fosse séria). Mas, como dito,
ele se vangloria de querer governar cristãmente, preocupar-se com as almas e
não opor-se ao Evangelho. Como se diria em alemão: Taramelar faz parte do
ofício. Acabei de afirmar que aprendemos a entender essa linguagem com grande
prejuízo. Queira Deus que a tivéssemos entendido antes e a entendêssemos
suficientemente agora. Isso basta por enquanto até que eu veja o que eles se
propõem a dizer publicamente. Quanto ao que fazem na obscuridade, sabemos que
nada há de bom. Contra isso nos ajude aquele, cujo inimigo são, Deus o Pai, por
meio de seu amado Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, juntamente com o Espírito
Santo, louvado em eternidade. Amém.
[1]
Exempel, einen rechten christlichen Bischof zu weihen - 1542. - WA 53,231-260.
Tradução: Ilson Kayser.
[2]
Nicolau von Amsdorf (1483-1565), amigo de Lutero desde 1511, a quem acompanhou
a Leipzig, em 1519 e a Worms, em 1521. Colaborou com Lutero na tradução da
Bíblia. Sustentou debates sobre o livre-arbítrio e o pecado original. Foi
professor na Faculdade de Teologia da Universidade de Wittenberg. Em 1524,
tornou-se superintendente em Magdeburgo. Foi bispo evangélico em Naumburgo de
1541 a 1546e, desde 1548, superintendente em Eisenach. Em todos os seus
posicionamentos teológicos e funções eclesiásticas, von Amsdorf mostrou-se
companheiro intransigente de Lutero, principalmente após a morte deste.
[3]
V. abaixo, p. 127,26-131,31 (-135,10);138,2-35;144,7-31;147,1-24.
[4]
V. abaixo, p.
131,32-132,10;133,22-134,1;136,22-29;137,12-21;143,11-31;149,26-150,11.
[5]
V. abaixo, p. 128,33;129,2,24;134,3;139,1-7,24-30.
[6]
V. abaixo, p. 128,16-22;133,22-135,10.
[7]
V. abaixo, p. 139,8-143,36.
[8]
V. abaixo, p. 147,17-24.
[9]
V. abaixo, p. 145,16-146,40.
[10]
Lutero alude aqui e no que segue a partes do sacramento da penitência no cânone
da Igreja católica, a confessio oris (confissão auricular) e satisfactio operis
(satisfação por atos de penitência).
[11]
Mogúncia é uma referência ao cardeal-arcebispo Alberto (1490-1445), arcebispo
de Mogúncia desde 1514, cardeal desde 1518 que, além de ser da casa dos
Hohenzoller, era príncipe-eleitor, homem de grande influência na Alemanha.
Lutero o acusa de incendiário. — Henrique é uma alusão ao duque Henrique, o
Jovem, de Braunschweig -Wolfenbüttel, a princípio amigo do landgrave Filipe de
Hesse, sustentáculo da Liga de Esmalcalde. Também o duque Henrique era
signatário da Liga; no entanto, desavenças e intrigas transformaram essa
amizade em acerba inimizade. Ofensas e acusações mútuas geraram intensa e
escandalosa panfletagem. Lutero posicionou-se em seu escrito Wider Hans Worst
("Contra João Linguiça — 1541) — WA 51,469-572 —, em defesa de Filipe de
Hesse. Por fim, o duque Henrique se tomou suspeito de ter sido o mandante de um
bando de incendiários, que haviam incendiado vários redutos protestantes, e
isso com o beneplácito de Alberto da Mogúncia. Por isso Lutero os menciona
várias vezes em conjunto.
[12]
Uma alusão a Jó 41, especialmente vv. 15 e 30.
[13]
Um jogo de palavras de difícil imitação em português. Lutero toma os termos
Dekret e Dekretal e troca o “r” de posição. Assim, de Dekret (= decreto) obtém
Dreket (= imundície, sujeira), e, analogamente, de Dekretal (= decretai) obtém
Dreketal (= decretai suja). Tentando chegar perto da construção original,
representamos Dreket por “dejeto” (em analogia a “decreto”) e “dejetai” (em
analogia a “decretai).
[14]
Lutero redigiu seu escrito por solicitação do príncipe-eleitor e dos
estamentos, delimitando sua tarefa. O relatório detalhado dos acontecimentos
fora confiado a outra pessoa, no entanto, jamais veio à lume.
[15]
Lutero traduz o original “sábado” por Feiertag, literalmente “dia de festa”,
“dia de celebração”, correspondendo à expressão latina dies festus. Com o termo
Feiertag, designava-se o “domingo”. Portanto, substituindo “sábado” por
“domingo”, Lutero reinterpreta o terceiro mandamento, dando-lhe conotação
cristã e despindo-o de sua conotação de lei cerimonial judaica, pois como tal o
“sábado” está eliminado para os cristãos.
[16]
Cf. Êx 20.5.
[17]
Citação um tanto livre do texto da Vulgata. Lutero tem no original: Tu
repulisti scientiam, repeliam et ego te, ne Sacerdos meus sis, enquanto na
Vulgata consta: quia tu scientiam repulisti repeliam te ne sacerdotio fungaris
mihi.
[18]
Cf. Dn 11.38s. No texto original fala-se do “deus dos burgos ou das
fortalezas”, o que significa, Zeus, Júpiter e Capitolino, cujo culto Antíoco
IV, Epífanes (rei da Síria de 175 até 163 a.C.) quis introduzir, proibindo o
judaísmo e destruindo todas as sinagogas. Lutero tomou o termo hebraico maozim
por nome próprio, seguindo a Vulgata.
[19]
V. acima, p. 90, n. 26.
[20]
Cf. acima, p. 127, n. 13.
[21]
Filipe da Baviera (fal. em 6 de janeiro de 1541 em Freising), bispo de
Naumburgo. V. abaixo, p. 134, n.
[22]
Refere-se ao príncipe-eleitor da Saxônia.
[23]
Os de Naumburgo haviam, por diversas vezes, solicitado um pregador evangélico;
finalmente, João Langers foi engajado na igreja paroquial São Wenzel, mas já em
1529 foi expulso novamente; em 1532, solicitou-se a intervenção do príncipe-eleitor,
e outra vez em 1536. Em consequência desse último apelo, foi enviado a
Naumburgo Nicolau Medler, o verdadeiro reformador da Fundação
[24]
Cf. 2Rs 6.12.
[25]
Virgílio, Eneida: Imperium sine fine dedi. Líber I,279.
[26]
Cf. Dn 7.7,23.
[27]
Aníbal, general cartaginês/África do Norte (247-183 a.C.), famoso por
sucessivas vitórias sobre os romanos na 2ª Guerra Púnica, depois de atravessar
o sul da França e os Alpes. Derrotado, morreu no exílio, por suicídio.
[28]
Cf. Dn 4.13,17,23; a palavra hebraica que designa o “anjo da guarda” ou o
“vigilante”, como prefere Almeida, é irim no plural; a Vulgata traduz o termo
por vigil.
[29]
V. acima, p. 126, n. 11.
[30]
0 bispo Filipe já havia falecido em 6 de janeiro de 1541. No entanto, o cabido
ocultou o óbito e também o conselho de Naumburgo tomou conhecimento dele
somente a 20 de janeiro. No mesmo dia 20, o cabido já escolhia a José Pflug
como sucessor. O príncipe-eleitor foi informado da morte do bispo somente em 23
de janeiro. No dia seguinte, recebeu a notícia da eleição do novo bispo,
sendo-lhe, porém, ocultado o nome do eleito.
[31]
Cf. 1Co 1.19s.; 3.19.
[32]
Cf. Gl 1.8.
[33]
Trata-se de um provérbio, talvez no sentido de: Quem se rola no barro se suja.
Ou: Quem mexe no abelheiro leva ferrões.
[34]
Em 15 de janeiro de 1542, após um ano de prazo, o bispo eleito para cabido,
José Pflug, comunicou, num manifesto público, a todas as instâncias, que
aceitava o cargo. É a esse fato que Lutero se refere aqui.
[35]
Possessorium, que Lutero traduz por Gewehr, corresponde ao que na lei romana se
entende por “usucapião”, ou seja, a praescriptio — aquisição por prescrição de
determinado prazo.
[36]
Cf. acima, p. 127, n. 13.
[37]
No original: Relativa se mutuo ponunt et tollunt.
[38]
Títulos honoríficos” que Lutero confere a alguns de seus mais acres adversários.
“Dr. Porco” é como denomina, às vezes, a João Eck, professor da Universidade de
Ingolstadt, com o qual debateu em Leipzig sobre a questão das indulgências e se
confrontou reiteradas vezes. — “Ridículo é referência a Jorge Witzel,
inicialmente padre e depois pastor evangélico, rompendo, porém, novamente com a
Reforma e tornando a ser sacerdote católico. — “Lorpa”: o termo alemão aqui
usado é Tölpel, literalmente “lorpa”; suspeita-se que seja uma referência a um
tal de Jacó Lemp, de Tübingen. — “Ferreiro é João Faber, jurista, teólogo e
humanista, ardoroso adversário de Lutero. — “Ranhudo” é como Lutero costuma
chamar a João Cócleo, também conhecido por João Dobeneck que, inicialmente,
aderiu à Reforma e depois se tomou seu ferrenho adversário; redigiu vários
escritos polêmicos contra Lutero e foi coautor da “Confutação da Confissão” de
Augsburgo (1530). É de sua autoria a “biografia” de Lutero que serviu de
protótipo para o conceito de Lutero no catolicismo até o séc. XX. — O “Lambedor
de Pratos é Crotus Rubianus, “lambedor de pratos” do cardeal-arcebispo Alberto
de Mogúncia, contemplado por este com uma rendável prebenda. Em outra ocasião,
Lutero faz de “Doktor Krotus” Dotter Kröte = “Sapo Gema-de-Ovo” (WA 38.84,12).
- “Penico” talvez seja a alcunha conferida ao “merdipoeta” Lêmnio, mencionado
também alhures. - “Henrique e Mogúncia”, v. acima p. 126, n. 11.
[39]
No original: In malis promissis non expedit servare fidem. E: In malis
promissis rescinde fidem. No capítulo De regulis iuris do CorpIC. (Livro 6,1.5,
anexo, Título 12) encontra-se como regra 69 a frase: In malis promissis fidem
non expedit observari. Cf. WA 53,249, n. 17.
[40]
A eleição do referido conde ao cargo de reitor da Universidade de Erfurt, em 2
de maio de 1508, é fato documentalmente comprovado. No entanto, nos anais da
Universidade não há nenhuma referência ao embuste. Cf. WA 53,250, n. 10.
[41]
Lutero identifica a “lei natural” com a “regra áurea” (Mt 7.12; Lc 6.31). Para
mais detalhes sobre esse conceito, v. “Comércio e Usura”, in: OSel 5,379, n.
18.
[42]
No original: In malis promissis rescinde fidem. Cf. acima, p. 141, n. 39.
[43]
Cf. Jo 10.5.
[44]
Cf. Mt 16.18.
[45]
A Bíblia completa em língua alemã estava disponível desde 1534.
[46]
Cf. 1Tm 3.2; Tt 1.7,9.
[47]
Cf. 1Co 7.21ss.
[48]
Bonifácio VIII (1294-1303), aspirou a um domínio universal. É conhecido como
homem de pouca espiritualidade, impetuoso, irrefletido, dado à avidez e ao
nepotismo. Em seu pontificado foi promulgada a bula Unam Sanctam, o documento
clássico sobre a hierocracia papal: as duas espadas, a espiritual e a secular,
na mão do papa, sendo que a primeira seria usada pelo papa e a segunda, em
favor do papa. — Júlio II (1503-1513), cognominado de “O Terrível”, era mais
rei e general do que sumo sacerdote. Supremo movente de sua atividade foi a
sede de poder aliada a um amor à cultura estética esplendorosa. Encomendou o
projeto da nova basílica de S. Pedro (pedra fundamental em 1506); contratou
Miguel Angelo para decorar a Capela Sistina, e a Rafael para a execução dos
magníficos afrescos das stanze (salas, em italiano), no Vaticano, hoje conhecidas
como as stanze de Rafael. —Clemente VII (1523-1534), antes cardeal Júlio de
Médicis. De caráter fraco e inconstante, era mais príncipe territorial italiano
do que líder do catolicismo. Por isso não dedicou muita atenção aos conflitos
religiosos desencadeados na Europa pelo movimento da Reforma. Opôs-se
decisivamente à realização do programado concílio nacional, a realizar-se em
Espira, em 1524, temendo a volta da tese do conciliarismo. Interesses
dinásticos o mantiveram constantemente envolvido em conflitos, inclusive com o
imperador do Sacro Império Romano-Germânico, Carlos V.
[49]
Cf. Mt 23.24.
[50]
Cf. SI 143.2.
[51]
Lutero pregou na Igreja dos Pés-Descalços, em Zeitz, em 22 de janeiro de 1542,
referindo-se à ordenação episcopal em Naumburgo. A afluência de público fora
tão grande que o povo chegou a usar as escadas de incêndio para enxergar pelas
janelas.
Obras Selecionadas de Lutero, v. 7, pp 25 a 36
Este livro completo e todos os outros da coleção, podem ser comprados na Editora Concórdia (https://www.editoraconcordia.com.br)
Este livro completo e todos os outros da coleção, podem ser comprados na Editora Concórdia (https://www.editoraconcordia.com.br)
Nenhum comentário:
Postar um comentário