quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Tratado sobre o Poder e Primado do Papa



V

TRATADO SOBRE O PODER
E O PRIMADO DO PAPA

 composto pelos teólogos reunidos em Esmalcalde no ano de 1537

Introdução

Ainda que os representantes da Liga de Esmalcalde, que se reuniram em Esmalcalde em fevereiro de 1537, não tivessem aceito os Artigos preparados por Lutero (Vid. Introdução aos Artigos de Esmalcalde, acima), sentia-se a necessidade de dizer algo sobre o papa e seu poder, especialmente em vista do fato de o Papa Paulo III ter convocado, para o ano seguinte, um concílio da Igreja a reunir-se em Mântua. Chamou-se a atenção para o fato de que, originalmente, tinha sido a intenção incluir uma declaração sobre o assunto na Confissão de Augsburgo e que tal declaração fora omitida em Augsburgo unicamente para evitar ofender o imperador e chegar, assim, ao fim da discussão das diferenças religiosas. Uma vez que as circunstâncias agora pareciam exigir o que antes fora deixado de lado, os clérigos que estavam presentes em Esmalcalde foram instruídos a preparar uma declaração desse tipo. Eles, por sua vez, confiaram a matéria a Felipe Melanchthon, que, em poucos dias, escreveu o Tratado sobre o Poder e o Primado do Papa.
Diferentemente dos Artigos de Esmalcalde, o Tratado foi oficialmente aceito, em Esmalcalde, como confissão de fé. Destinava-se a ser um suplemento à Confissão de Augsburgo e não, como habitualmente se supõe, um apêndice aos Artigos de Esmalcalde. Todos os clérigos que estavam presentes assinaram o Tratado. A assinatura de Lutero falta porque ele estava doente demais para estar presente ao encontro.

Do Poder e Primado do Papa[1]

Arroga-se o bispo romano a posição de estar, de direito divino, acima de todos os bispos e pastores[2]. Em seguida, acrescenta ainda que possui, de direito divino, ambas as espadas,[3] isto é, a autoridade de conferir e transferir reinos.  E em terceiro lugar diz que crer isso é necessário para a salvação.[4] E por essas razões o bispo romano chama a si vigário de Cristo na terra[5]. Julgamos e confessamos que esses três artigos são falsos, ímpios, tirânicos e perniciosos à igreja. Agora, para que se possa entender nossa afirmação, definiremos primeiro o que chamam estar acima de todos os bispos de direito divino. Entendem que o papa é bispo universal, e, como eles mesmos dizem, ecumênico, isto é, junto ao qual todos os bispos e pastores, do mundo inteiro, deveriam buscar ordenação e confirmação, que deve ter o direito de eleger, ordenar, confirmar e depor todos os bispos. Arroga a si, além disso, a autoridade de fazer leis concernentes a cultos, a mudança dos sacramentos, a doutrina, e quer que seus artigos, seus decretos, suas leis sejam havidos por artigos de fé ou mandamentos de Deus que obriguem as consciências, porque se atribui poder de direito divino; quer até que seu poder seja preferido aos mandamentos de Deus. E mais horrível ainda é o que acrescenta: ser necessário para a salvação crer tudo isso.
I. Mostremos, pois, em primeiro lugar, do evangelho, que o bispo romano não está por direito divino acima dos outros bispos e pastores. Em Lucas 22[6], Cristo expressamente proíbe a dominação entre os apóstolos. Pois essa foi exatamente a questão: quando Cristo falou de sua paixão, discutiam sobre quem haveria de exercer o governo e ser, e, por assim dizer, funcionar como vigário do Cristo ausente. Aí Cristo repreende esse erro dos apóstolos e ensina que não haverá entre eles dominação ou superioridade, mas que os apóstolos deveriam ser enviados como iguais ao comum ministério do evangelho. Diz, por isso: "0s reis dos povos os dominam, mas vós não fareis assim; pelo contrário, qualquer que quiser ser o maior entre vós, será vosso servo." Aqui a antítese mostra que a dominação[7] é desaprovada. Ensina a mesma coisa a parábola[8], quando Cristo, nessa mesma discussão sobre o reino, coloca uma criança no meio deles, significando que entre ministros não haverá de existir domínio, assim como uma criança não toma nem procura para si qualquer domínio.
II. Em João 20[9] Cristo da mesma maneira[10] envia os apóstolos sem distinção,[11] quando diz: “Assim como o pai me enviou, eu também vos envio”. Diz que os envia individualmente da mesma forma como ele foi enviado. Por isso a nenhum atribui prerrogativa ou dominação sobre os demais.
III. Em Gálatas 2[12] Paulo afirma claramente que não foi ordenado nem confirmado por Pedro. Tampouco reconhece a Pedro como alguém junto ao qual se deva procurar confirmação. E nomeadamente discute a esse respeito que sua vocação não depende da autoridade de Pedro. Mas deveria ter reconhecido Pedro como superior, se Pedro era superior de direito divino. Paulo diz, por isso[13], que ele, sem consultar Pedro, imediatamente ensinou o evangelho. Também: “A mim não me importa quais tenham sido aqueles que pareciam ser alguma coisa. Pois Deus não considera a aparência do homem”.[14] Da mesma forma: “Aqueles que pareciam ser algo, nenhuma ordem me deram.”[15] P[JH1] ortanto, como Paulo claramente testifica que nem sequer quis procurar confirmação de Pedro, mesmo quando chegara a ele, ensina que a autoridade do ministério depende da palavra de Deus, e que Pedro não foi superior aos demais apóstolos, e que não é necessário procurar ordenação nem confirmação dessa uma só pessoa Pedro.
IV.  Em 1Co 3[16] Paulo iguala os ministros e ensina que a igreja está acima dos ministros. Razão por que Pedro não se atribui superioridade ou domínio sobre a igreja ou os   Pois diz assim: “Tudo é vosso: seja Paulo, seja Ceras, seja Apolo”[17], isto é: nem os outros ministros nem Pedro arroguem a si domínio ou superioridade sobre a igreja, não onerem a igreja com tradições, não valha a autoridade de ninguém mais que a palavra, não se oponha a autoridade de Cefas à autoridade dos outros apóstolos, conforme argumentavam naquele tempo: Cefas, que é apóstolo superior, observa isso; logo, tanto Paulo como os demais devem observar isso. Paulo remove de Pedro essa magnificência[18] e nega que sua autoridade deva ser anteposta aos demais ou à igreja. 1Pedro 5: “Nem como dominadores dos que vos foram confiados”.[19]

Testemunho da História

V. O Concílio de Nicéia ordenou que o bispo de Alexandria cuidasse das igrejas do Oriente, e o bispo romano cuidasse das suburbanas, isto é, das que ficavam nas províncias romanas do Ocidente,[20]  Daqui, de direito humano, isto é, pela ordenação conciliar, cresceu pela primeira vez a autoridade do bispo romano. Agora, se o bispo romano tivesse possuído a superioridade de direito divino, não houvera sido lícito ao concílio tirar-lhe qualquer direito L' transferi-lo ao de Alexandria. Na verdade, todos os bispos do Oriente sempre deveriam ter procurado ordenação e confirmação do bispo romano.
VI. O Concilio de Nicéia resolveu, igualmente, que os bispos fossem eleitos por suas igrejas, na presença de algum bispo vizinho ou de mais de um. Isso foi observado também no Ocidente e nas igrejas latinas, conforme testificam Cipriano e Agostinho. Pois Cipriano, na epistola 4 a Cornélio, diz assim[21] "Por isso, segundo a tradição divina e a observância apostólica, deve ser diligentemente guardado e praticado o que também se observa entre nós e em quase todas as províncias: que, para celebrar as ordenações apropriadamente, todos os bispos vizinhos da mesma província devem reunir-se com o povo para o qual o preposto deve ser ordenado, e o bispo deve ser eleito na presença do povo que conhece integralmente a vida de cada um, o que, segundo vimos, também foi feito entre vós na ordenação do nosso colega Sabino, que, pelo sufrágio de toda a fraternidade e pelo juízo dos bispos que se haviam reunido na presença deles, o episcopado lhe foi conferido, e lhe foram impostas as mãos." A esse costume Cipriano chama tradição divina e observância apostólica, e afirma que é observado em quase todas as províncias. Como, portanto, nem ordenação, nem confirmação foi buscada junto ao bispo romano na maior parte do mundo, nas igrejas gregas e latinas, está suficientemente claro que as igrejas então não atribuíram superioridade e dominação ao bispo romano.
Aquela superioridade é impossível. Pois é impossível que um só bispo seja inspetor das igrejas do mundo inteiro, ou que igrejas situadas nas terras mais remotas procurem a ordenação junto a um só. Pois é sabido que o reino de Cristo está disperso por todo o mundo, e hoje há muitas igrejas no Oriente que não buscam junto ao bispo romano a ordenação nem a confirmação. Por isso, como aquela superioridade é impossível, e já que nunca esteve em uso nem foi reconhecida pelas igrejas na maior parte do mundo, está suficientemente claro que não foi instituída.[22]
VIII. Foram anunciados e realizados muitos concílios antigos em que não presidiu o bispo romano, como o Niceno e muitos outro.[23] Testifica também isso que então a igreja não reconheceu o primado ou a superioridade do bispo romano.
IX. Diz Jerônimo[24] "Se a questão é concernente à autoridade, o orbe é maior do que a urbe.[25] Onde quer que tenha havido um bispo, seja em Roma, seja em Eugúbio[26], seja em Constantinopla, seja em Régio, seja cm Alexandria, é ele da mesma dignidade e do mesmo sacerdócio. É o poder da riqueza e a humildade da pobreza o que torna superior ou inferior".
VIII. Gregório, escrevendo ao patriarca alexandrino[27], proíbe que lhe chamem bispo universal. E nos regestos[28] diz que no Concilio de Calcedônia o primado foi oferecido ao bispo romano, mas não aceito.
IX. Por derradeiro, como é que pode o papa estar acima de toda a igreja quando a igreja tem a eleição e pouco a pouco prevaleceu o costume de que os bispos romanos eram confirmados pelos imperadores?
Da mesma forma, como por longo tempo tivesse havido disputas sobre o primado entre o bispo romano e o constantinopolitano, o imperador Focas[29] estabeleceu afinal que o primado devia ser atribuído ao bispo romano. Mas se a igreja antiga houvesse reconhecido o primado do romano pontífice, essa contenda não poderia ter ocorrido, nem teria havido necessidade de um decreto do imperador.
Objetam, porém, com algumas passagens, como: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja".[30] Também: "Dar-te-ei as chaves"[31]. Igualmente: "Apascenta as minhas ovelhas"[32]. E mais algumas. Como, porém, toda essa controvérsia foi tratada copiosa e acuradamente alhures, nos livros dos nossos, e visto não se poder recensear tudo aqui, remetemos àqueles escritos e queremos que sejam tidos como reiterados. Responderemos, todavia, brevemente, quanto à interpretação[33]. Em todas essas passagens Pedro é o representante de todo o grupo dos apóstolos, conforme se evidencia do próprio texto. Pois Cristo não interroga somente a Pedro, mas diz: "Vós, quem dizeis que eu sou?"[34] E o que aqui é dito no número singular — "Dar-te-ei as chaves", "o que ligares"[35] —, em outro lugar é dito no plural: "O que ligardes, etc."[36] E em João: "Aqueles a quem perdoardes os pecados, etc."[37] Atestam essas palavras que as chaves são dadas igualmente a todos os apóstolos, e que todos os apóstolos são enviados igualmente. Além disso, é necessário reconhecer que as chaves não pertencem à pessoa de determinado homem, porém à igreja, conforme atestam muitos argumentos claríssimos e firmíssimos. Pois Cristo, falando das chaves, Mateus 18, acrescenta: "Onde quer que dois ou três concordarem na terra, etc"[38]. De sorte que atribui as chaves principal e imediatamente à igreja, assim como também por essa razão a igreja principalmente tem o direito de chamar. É necessário, por isso, que nessas passagens Pedro seja o representante de todo o grupo dos apóstolos. Razão por que não atribuem a Pedro qualquer prerrogativa, ou superioridade, ou domínio.
Mas quanto à declaração: "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja"[39], por certo que a igreja não foi edificada sobre a autoridade do homem, porém sobre o ministério daquela profissão que Pedro fez, na qual proclama que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus. De sorte que se endereça a ele como ministro: "Sobre esta pedra", isto é, sobre este ministério. Ora, o ministério do Novo Testamento não está preso a lugares e pessoas como o ministério levítico, porém está disperso pelo mundo inteiro e está onde Deus dá os seus dons, apóstolos, profetas, pastores, doutores. E esse ministério não vale por causa da autoridade de qualquer pessoa, mas por causa da palavra dada por Cristo. E a maioria dos santos Pais, como Orígenes[40], Ambrósio[41], Cipriano[42], Hilário[43], Beda[44], interpretam a sentença "sobre esta pedra" desse modo, não como referente à pessoa ou à superioridade de Pedro. Assim diz Crisóstomo[45]: "Sobre esta pedra’, diz ele, não ‘sobre Pedro! Pois edificou sua igreja não sobre o homem, mas sobre a fé de Pedro. Mas qual foi a fé? Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". Hilário[46]: "A Pedro revelou o Pai que dissesse: Tu és o Filho do Deus vivo. A edificação da igreja é, portanto, sobre a pedra dessa confissão. Essa fé é o fundamento da igreja".
E quanto às palavras: "Apascenta as minhas ovelhas"[47], da mesma forma: "Amas-me mais do que estes?"[48], daí ainda não se segue que a Pedro haja sido dada uma superioridade peculiar. Pois ordena que apascente, isto é, que ensine a palavra ou reja a igreja com a palavra, o que Pedro tem em comum com os demais apóstolos.
O segundo artigo é mais claro ainda: que Cristo deu aos apóstolos somente poder espiritual, isto é, o mandamento de ensinarem o evangelho, anunciarem a remissão dos pecados, administrarem os sacramentos, excomungarem os ímpios sem recurso à força física, e não deu o poder da espada, ou o poder de constituir, ocupar ou conferir reinos do mundo. Pois Cristo diz: "Ide, ensinando-os a guardar as coisas que vos tenho ordenado"[49]. Da mesma forma: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio"[50]. Ora, é sabido que Cristo não foi enviado para manejar a espada ou possuir um reino mundano, como ele mesmo diz: "O meu reino não é deste mundo!"[51]. E Paulo diz: “Não dominamos sobre a vossa fé"[52]. Igualmente: “As armas da nossa milícia não são carnais, etc"[53]. Agora, quanto ao fato de Cristo, em sua paixão, ser coroado com espinhos e conduzido em púrpura real para ser objeto de zombaria, significou que futuramente, depois de desprezado o reino espiritual, isto é, depois de sufocado o evangelho, seria constituído um outro reino, mundano, com pretexto de poder eclesiástico. Razão por que a constituição[54] de Bonifácio VIII, capítulo Omnes, distinção vigésima segunda[55], e sentenças similares, que contendem ser o papa o senhor dos reinos do mundo por direito divino, são falsas e ímpias. Dessa persuasão foram trazidas para dentro da igreja trevas horríveis. Depois também surgiram grandes comoções na Europa. Pois foi negligenciado o ministério do evangelho. Foi extinto o conhecimento da fé e do reino espiritual, e julgava-se que a justiça cristã era aquele governo externo que o papa constituíra. Em seguida, os papas começaram a arrebatar reinos para eles, transferiram reinos, vexaram com injustas excomunhões e guerras os reis de quase todas as nações da Europa, mas principalmente os imperadores germânicos, ora para ocupar cidades italianas, ora para reduzir a sua servidão bispos da Alemanha e arrancar aos imperadores a concessão de bispados[56], E. mais do que isso, até está escrito nas Clementinas[57]: "Quando o império está vacante, o papa é o legitimo sucessor". Assim o papa não só usurpou dominação contra a ordem de Cristo[58], mas ainda exaltou a si mesmo tiranicamente acima de todos os reis[59]. E nessa questão o próprio fato não deve ser repreendido tanto quanto se deve detestar o pretextar ele a autoridade de Cristo, o transferir as chaves a um reino mundano, o prender a salvação a essas ímpias e nefastas opiniões, quando diz ser necessário para a salvação que os homens creiam que essa dominação compete ao papa de direito divino. Como esses grandes erros obscurecem a fé e o reino de Cristo, de modo nenhum devem ser dissimulados. Pois o resultado mostra que foram grandes desgraças para a igreja.
Em terceiro lugar, deve acrescentar-se o que segue. Ainda que o bispo romano tivesse o primado e a superioridade por direito divino, contudo não seria devida obediência aos pontífices que defendem cultos ímpios, idolatria e doutrina que pugna com o evangelho. Na verdade, tais pontífices e tal reino deveriam ser tidos por malditos. Assim ensina claramente Paulo: “Se um anjo do céu ensinar outro evangelho, que vá além do que vos ensinei, seja anátema"[60]. E em Atos: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens"[61]. Da mesma forma também os cânones[62] claramente ensinam que não se deve obedecer a um papa herético. O pontífice levítico era sumo sacerdote de direito divino e, contudo, não se devia obedecer a sumos sacerdotes ímpios, como Jeremias e outros profetas dissentiam de sumos sacerdotes. Os apóstolos dissentiam de Caifás e não lhe tinham de obedecer. Ora, consta que os romanos pontífices com seus aderentes defendem doutrina ímpia e cultos ímpios. E as notas do anticristo claramente concordam com o reino do papa e seus membros. Pois que Paulo, em Tessalonicenses, ao descrever o anticristo, lhe chama “adversário de Cristo, que se exalta sobre tudo que se chama Deus ou se adora como Deus, e se assenta no templo de Deus como se fosse Deus"[63]. Fala, portanto, de alguém que reina na igreja, não de reis gentílicos, e a ele chama “adversário de Cristo", porque haverá de excogitar doutrina que pugne com o evangelho e arrogar-se-á autoridade divina. Mas é certo, em primeiro lugar, que o papa reina na igreja e constituiu esse reino para si a pretexto de autoridade eclesiástica e do ministério. Pois pretexta estas palavras: “Dar-te-ei as chaves"[64]. Depois, a doutrina do papa conflita de muitas maneiras com o evangelho, e o papa se arroga autoridade divina de forma tríplice. Primeiro, porque se arroga o direito de mudar a doutrina de Cristo e cultos instituídos por Deus, e que sua própria doutrina e seus próprios cultos sejam observados como divinos. Segundo, visto que se arroga não só o poder de desligar e ligar nesta vida, mas também o direito quanto às almas depois desta vida. Terceiro, porque o papa não quer ser julgado pela igreja, ou por quem quer que seja, e põe sua autoridade acima do juízo dos concílios e de toda a igreja[65]. Mas não querer ser julgado pela igreja ou por quem quer que seja, isso é fazer-se Deus a si mesmo. Em último lugar, esses erros, tão horríveis, e essa impiedade, ele os defende com suma crueldade e mala os que dissentem.
Como esta é a situação, todos os cristãos devem acautelar-se para não acontecer se tornem participantes da ímpia doutrina, das blasfêmias e injustas crueldades do papa. Por isso devem abandonar e execrar o papa com os seus membros como o reino do anticristo, conforme ordena Cristo: “Acautelai-vos dos falsos profetas"[66]. E Paulo ordena que mestres ímpios devem ser evitados e execrados como malditos[67]. E em 2Co 6 diz: “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto, que sociedade pode haver da luz com as trevas?"[68]
Dissentir do consenso de tantas gentes e ser chamado de cismático é grave. Mas a autoridade divina manda a todos que não sejam aliados e propugnadores de impiedade e injusta crueldade. Em razão disso as nossas consciências estão suficientemente escusadas. Pois os erros do reino papal são manifestos.
E a Escritura clama a vozes bradadas[69] que aqueles erros são doutrina de demônios e do anticristo[70]. Manifesta é a idolatria na profanação das missas, que, além de outros vícios, são impudentemente empregadas para obter torpíssimos ganhos. A doutrina do arrependimento foi totalmente corrompida pelo papa e seus adeptos. Pois ensinam que pecados são remitidos por causa da dignidade de nossas obras. Depois ordenam que duvidemos sobre se a remissão se dá. Em parte, nenhuma ensinam que os pecados são perdoados de graça, por causa de Cristo, e que mediante esta fé conseguimos a remissão dos pecados. Dessa maneira obscurecem a glória de Cristo, e privam as consciências de consolação firme, e abolem cultos verdadeiros, a saber, os exercícios da fé que luta com o desespero.
Obscureceram a doutrina do pecado e inventaram uma tradição sobre a enumeração dos delitos que produz muitos erros e desespero. Falsamente acrescentaram satisfações, pelas quais também obscureceram o benefício de Cristo. Disso nasceram indulgências, que são puras mentiras, excogitadas por causa de ganho. Depois, quantos abusos e quão horrenda idolatria gerou a invocação dos santos! Quantas torpezas se originaram da tradição sobre o celibato! Com que trevas a doutrina dos votos cobriu o evangelho! Aí imaginaram que os votos são justiça diante de Deus e que merecem remissão de pecados. Assim transferiram o benefício de Cristo a tradições humanas e extinguiram inteiramente a doutrina concernente à fé. Inventaram que tradições futilíssimas são cultos de Deus e perfeição, e as preferiram às obras das vocações que Deus requer e ordenou. E não se deve ter esses erros na conta de leves. Pois lesam a glória de Cristo e levam ruína às almas. E não podem ser dissimulados. Depois, a esses erros acrescem dois pecados ingentes. Primeiro, que ele defende esses erros com injusta crueldade e pena de morte. Segundo, que arranca o juízo à igreja e não permite que controvérsias eclesiásticas sejam julgadas segundo a maneira correta. Até contende que ele está acima do concílio e que pode anular os decretos dos concílios, conforme de vez em quando declaram, despudoradamente, os cânones[71]. Mas os exemplos atestam que isso foi feito de maneira muito mais desavergonhada pelos pontífices[72]. Na questão nona, três[73], diz o cânone: "Ninguém julgará a primeira sé. Pois o juiz não é julgado nem pelo imperador, nem por todo o clero, nem pelos reis, nem pelo povo". Assim o papa exerce dupla tirania: defende seus erros pela força e mediante homicídios, e veta exame judicial. Essa última prejudica ainda mais do que qualquer suplicio. Porque, tirado o verdadeiro julgamento à igreja, não podem ser eliminados os dogmas ímpios e os cultos ímpios, e por muitos séculos eles destroem inúmeras almas.
Considerem, por conseguinte, os piedosos os grandes erros do reino papal e sua tirania, e ponderem primeiro que os erros devem ser rejeitados e a doutrina verdadeira abraçada, por causa da glória de Deus e da salvação das almas. Ponderem também depois quão grande crime é auxiliar a injusta crueldade no assassínio de santos, cujo sangue Deus sem dúvida há de vingar.
Mas importa que especialmente os membros principais da igreja, os reis e os príncipes, se interessem pela igreja e cuidam no sentido de que os erros sejam eliminados e as consciências saradas, conforme Deus nomeadamente exorta os reis: "Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos advertir, juízes da terra"[74]. Pois o primeiro cuidado dos reis deve ser adornar a glória de Deus. Razão por que seria indigníssimo conferirem eles sua autoridade e poder para confirmar a idolatria e número infinito de outras infâmias, e para a matança de santos.
E ainda que o papa celebre concílios, como pode a igreja ser sanada se o papa não tolera que qualquer coisa seja decretada contra o seu arbítrio, se a ninguém concede que externe seu parecer, exceto aos seus adeptos, aos quais prendeu com horríveis juramentos e maldições à defesa de sua tirania e impiedade, sem qualquer limitação da palavra de Deus? Como, porém, as sentenças dos concílios são as sentenças da igreja, não dos papas, cabe especialmente aos reis reprimir a licença dos pontífices e fazer que não seja arrancada à igreja a faculdade de julgar e decretar a partir da palavra de Deus. E como os demais cristãos devem censurar os restantes erros do papa, assim também devem repreender o pontífice que evade e impede o verdadeiro conhecimento e o verdadeiro juízo da igreja.
Consequentemente, ainda que o bispo romano tivesse o primado de direito divino, não obstante, desde que defende cultos ímpios e doutrina que conflita com o evangelho, não lhe é devida obediência. Até é necessário adversá-lo como anticristo.
Os erros do papa são manifestos e não são leves. Manifesta é também a crueldade que exerce contra os piedosos. E sabe-se que é mandamento de Deus que fujamos a idolatria, a doutrina ímpia e a injusta crueldade. Em vista disso, todos os piedosos têm razões magnas, necessárias e manifestas para não obedecerem ao papa. E essas razões necessárias consolam os piedosos contra todas as reprimendas que se costumam atirar-lhes com respeito a escândalos, cisma[75] e discórdia.
Mas os que concordam com o papa e defendem sua doutrina e cultos, poluem-se com idolatria e opiniões blasfemas, tornam-se réus do sangue dos piedosos que o papa persegue, lesam a glória de Deus e impedem o bem-estar da igreja, porque confirmam erros e outras desgraças para toda a posteridade.

Do Poder e da Jurisdição dos Bispos

Na Confissão[76] e na Apologia[77] expusemos o que em geral tínhamos a declarar sobre o poder eclesiástico. Pois o evangelho atribui aos que presidem às igrejas a comissão de pregar o evangelho, perdoar pecados, administrar os sacramentos, e, além disso a jurisdição[78], a saber, o mandato de excomungar aqueles cujas faltas são conhecidas e, por outro lado, absolver os que se arrependem. E segundo a confissão de todos, também dos adversários, está claro que esse poder de direito divino é comum a todos os que presidem às igrejas, chamem-se pastores, presbíteros ou bispos. E por isso Jerônimo[79] ensina abertamente que nas cartas apostólicas todos os que presidem às igrejas são tanto bispos como presbíteros, e cita de Tito[80]: "Por esta causa te deixei em Creta, para que constituas presbíteros nas cidades". E depois acrescenta: "É indispensável que o bispo seja marido de uma só mulher". Da mesma forma Pedro[81] e João[82] chamam a si de presbíteros. E então acrescenta[83]: “Mas que depois foi escolhido um para ser posto sobre os demais, isso foi feito como remédio contra cisma, a fim de não acontecer que, com cada qual atraindo para si, a igreja de Cristo se despedaçasse. Pois também em Alexandria, desde Marcos Evangelista até o tempo dos bispos Esdras[84] e Dionísio, os presbíteros sempre elegiam um dentre eles e o colocavam em lugar mais elevado, chamando-o bispo. Assim como um exército estabelece um comandante para si, os diáconos, por sua vez, elejam dentre eles um do qual saibam que é ativo e o nomeiem arcediácono. Pois, excetuada a ordenação, que faz o bispo que o presbítero não faça?"
Ensina, portanto, Jerônimo que os graus de bispo e presbítero ou pastor são distintos por autoridade humana. E a própria coisa o diz, porquanto o poder é o mesmo, como disse[85] acima. Mas uma coisa posteriormente fez diferença entre bispos e pastores, a saber, a ordenação. Porque foi estabelecido que um bispo ordenasse ministros em várias igrejas. Como, porém, de direito divino não são diversos os graus de bispo e pastor, é manifesto que a ordenação realizada por um pastor em sua igreja é válida de direito divino.
Por isso, quando os bispos ordinários se tornam inimigos do evangelho ou não querem conferir a ordenação, as igrejas retêm o direito delas. Pois onde quer que esteja a igreja, aí existe o direito de administrar o evangelho. Razão por que é necessário que a igreja retenha o direito de chamar, eleger e ordenar ministros.
E esse direito é dom propriamente[86] dado à igreja e que nenhuma autoridade humana pode arrebatar à igreja, como também testifica Paulo em Efésios, quando diz: "Subiu, concedeu dons aos homens"[87]. E enumera entre os dons próprios[88] da igreja pastores e mestres, acrescentando que tais são dados para o ministério, para a edificação do corpo de Cristo. Por conseguinte, onde há igreja verdadeira, aí necessariamente existe o direito de eleger e ordenar ministros. Assim como em caso de necessidade até um leigo absolve e se torna ministro e pastor de outrem. Como no caso da história narrada por Agostinho[89] a respeito de dois cristãos num navio, dos quais um batizou o catecúmeno[90], e este, batizado, depois absolveu o primeiro. Para cá pertencem as sentenças de Cristo que atestam haver as chaves sido dadas à igreja, não apenas a certas pessoas: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, etc”[91].
Por último, também a sentença de Pedro confirma isso: “Vós sois sacerdócio real”[92]; palavras essas pertinentes à igreja verdadeira, a qual, já que somente ela tem o sacerdócio, por certo que possui o direito de eleger e ordenar ministros. E isso também o atesta um costume comuníssimo da igreja. Pois que antigamente o povo elegia os pastores e os bispos. Depois vinha um bispo dessa igreja ou de uma vizinha, o qual pela imposição das mãos confirmava o eleito, e a ordenação outra coisa não foi senão essa aprovação. Posteriormente acresceram novas cerimônias, muitas das quais descreve Dionísio. Mas esse é autor recente e fictício, quem quer que seja,[93] assim como também os escritos de Clemente são supositícios[94]. Depois pessoas ainda mais recentes acrescentaram: “Dou-te o poder de sacrificar pelos vivos e pelos mortos”[95]. Mas nem isso se encontra em Dionísio.
De tudo isso fica evidente que a igreja retém o direito de eleger e ordenar ministros. Razão por que, quando os bispos se tornam heréticos ou não querem conferir a ordenação, as igrejas são obrigadas por direito divino a ordenar pastores e ministros, em consulta com os seus pastores[96]. E a impiedade e tirania dos bispos é que dão causa a cisma[97] e discórdia. Porque Paulo preceitua que bispos que ensinem e defendam doutrina ímpia e cultos ímpios devem ser tidos por malditos[98].
Falamos da ordenação, que, ela só, como diz Jerônimo[99], distinguia os bispos de outros presbíteros. Por isso não é necessária nenhuma discussão das demais funções dos bispos. Nem é preciso, na verdade, falar da confirmação, também não da consagração de sinos, que são quase as únicas coisas que retiveram. Da jurisdição deve ser dito algo.
É certo que a jurisdição comum de excomungar os réus de faltas manifestas pertence a todos os pastores. Isso transferiram tiranicamente só a eles e o empregaram para a obtenção de ganho. Pois é certo que os oficiais, como lhes chamam, fizeram uso de uma licença que não pode ser tolerada, e, ou por motivo de avareza, ou por causa de outras cobiças, atormentaram homens e os excomungaram sem qualquer procedimento legal devido. Mas que tirania é essa de os oficiais nos estados terem o poder de, a seu arbítrio, sem procedimento legal devido, excomungar homens? E em que espécie de coisas abusaram desse poder! A saber: não na punição de delitos verdadeiros, mas em casos de violação de jejuns ou dias de festa e ninharias que tais. Somente puniam, de vez em quando, atos de adultério. E nisso muitas vezes vexavam homens inocentes e honestos. Ora, como esse crime é gravíssimo, certamente ninguém deve ser condenado sem o devido processo legal. Por conseguinte, visto que os bispos transferiram tiranicamente a si essa jurisdição e dela abusaram torpemente, não é necessário obedecer aos bispos por causa dessa jurisdição. Mas como há causas justas de não obedecermos, também é justo restituir essa jurisdição a pastores piedosos e cuidar em que seja exercida legitimamente, para emenda da moral e a glória de Deus.
Resta a jurisdição naqueles casos que, segundo o direito canônico, pertencem ao foro eclesiástico, como lhe chamam, e principalmente em causas matrimoniais. Também essa os bispos têm de direito humano, e, de mais a mais, não muito antigo, como de fato se evidencia do Codex e das Novellae de Justiniano[100] que juízos quanto ao matrimônio então foram da alçada dos magistrados. E, por direito divino, os magistrados seculares são obrigados a fazer esses julgamentos, se os bispos são negligentes. A mesma coisa concedem também os cânones[101]. Razão por que também não é necessário obedecer aos bispos por causa dessa jurisdição. E, na verdade, já que criaram algumas leis injustas sobre o matrimônio e as observam em seus tribunais, ainda por essa razão é necessário constituir outras cortes. Porque as tradições respeito ao parentesco espiritual são injustas[102]. Também é injusta a tradição que proíbe o casamento de pessoa inocente depois do divórcio.
Também é injusta a lei que aprova genericamente todos os esponsais[103] clandestinos e dolosos, contra o direito dos pais. Injusta é, outrossim, a lei do celibato sacerdotal. Existem nas leis deles ainda outros laços de consciências. Recitá-los todos aqui não importa.
Basta haver declarado isto: que a respeito de questões matrimoniais há muitas leis injustas do papa, por causa das quais os magistrados devem constituir outros tribunais.
Como, portanto, os bispos devotados ao papa defendem doutrina ímpia e cultos ímpios, e não ordenam mestres piedosos, e até auxiliam a crueldade do papa, havendo, além disso, arrebatado a jurisdição aos pastores e exercendo-a apenas tiranicamente; por derradeiro, visto que em causas matrimoniais observam muitas leis injustas, há razões suficientemente numerosas e necessárias por que as igrejas não os devem reconhecer como bispos. Eles mesmos, entretanto, recordem-se que foram dadas riquezas aos bispos como esmolas para a administração e o proveito das igrejas, conforme diz a regra[104]: ‘O benefício é dado por causa do ofício". Não podem, por isso, de boa consciência possuir essas esmolas. E entrementes defraudam a igreja, que necessita desses meios para sustentar ministros c auxiliar em estudos e cuidar de certos pobres e para estabelecer tribunais, especialmente cortes matrimoniais. Pois a variedade e magnitude das controvérsias matrimoniais é tamanha, que há necessidade de um foro especial para elas, e para estabelecê-lo são precisos os recursos da igreja. Pedro predisse que haveria bispos ímpios, que abusariam das esmolas das igrejas para luxo e negligenciariam o ministério. Saibam, pois, aqueles que defraudam a igreja que eles também haverão de pagar a Deus a penalidade por esse crime.

Relação dos Doutores e Pregadores que Subscreveram a Confissão e a Apologia, etc. 1537.


Por ordem dos ilustríssimos príncipes e das ordens e cidades que professam a doutrina do evangelho, relemos os artigos da Confissão apresentada ao Imperador na assembleia de Augsburgo, e, mercê de Deus, todos os pregadores que estiveram presentes nesta assembleia de Esmalcalde, declaram, concordes, que em suas igrejas creem e ensinam de acordo com os artigos da Confissão e da Apologia. Declaram também que aprovam o artigo sobre o primado do papa e de seu poder e sobre o poder e a jurisdição dos bispos que aqui, nesta assembleia de Esmalcalde, foi apresentado aos príncipes. Subscrevem, por isso, seus nomes.
Eu, Dr. João Bugenhagen, o Pomerano, subscrevo os artigos da Confissão de Augsburgo, a Apologia e o artigo sobre o papado apresentado aos príncipes em Esmalcalde
Também eu, Dr. Urbano Rhegius, superintendente das igrejas no ducado de Lüneburg, subscrevo
Nicolau Amsdorf, de Magdeburgo, subscreveu
Jorge Espalatino, de Altenburg, subscreceu
Eu, André Osiander, subscrevo
Mestre Veit Dietrich, de Nurembergue, subscreve
Estêvão Agrícola, ministro em Hof, subscreveu de próprio punho
João Drach, de Marburgo, subscreveu
Conrado Figenbotz subscreve a tudo
Martinho Bucer
Eu, Erhard Schnepf, subscrevo
Paulo Rhodius, pregador em Stettin
Gerhard Oemcken, ministro da igreja em Minden
Brixius Northanus, pregador em Soest
Simon Schneeweiss, pastor em Crailsheim
Eu, o Pomerano, subscrevo outra vez em nome de Mestre João Brenz, conforme instrução dele
Filipe Melanchthon subscreve de próprio punho Antônio Corvino subscreve de próprio punho, em seu próprio nome e no de Adão de Fulda
João Schlachinhauffen subscreve de próprio punho
Jorge Helt, de Forchheim
Miguel Caelius, pregador em Mansfeld
Pedro Geltner, pregador da igreja de Frankfurt
Dionísio Melander subscreveu
Paulo Fagius, de Estrasburgo
Wendalinus Faber, pastor de Seeburg, em Mansfeld
Conrado Öttinger, de Pforzheim, pregador do Duque
Ulrico de Württemberg[105]
Bonifácio Wolfhart, ministro da palavra na igreja de Augsburgo João Aepinus, superintendente de Hamburgo, etc., subscreveu de próprio punho
João Amsterdam, de Bremen, fez o mesmo João Fontanus, superintendente do Baixo Hesse, subscreveu Frederico Myconius subscreveu por sua pessoa e por Justus Menius Ambrósio Blaurer


[1] Sobre a posição de Melanchthon quanto ao papado cf. acima, Artigos de Esmalcalde, Signatários, as observações dele na subscrição. WATR V Nº 5551, CR II, 744-746, IV, 530 s. XII, 200-206 (Oratio de pontificum Ronutnorum ambitione, monarchia, tyannide, 1556), WABr XII. 116, WA XI. 375-379.
[2] Cf. p. ex., Decretum Gratiani, Parte I, distinção 21, capítulo 3º; distinção 22, capítulos 1º e 2º.
[3] Cf. especialmente a bula Unam sanctam, de Bonifácio VIII (1302 — BSLK e ed. Tappert indicam, erroneamente, 1301, ano da bula Ausculta fili, em que Filipe IV é convocado por Bonifácio VIII para um sínodo em Roma —). Lê-se na bula (Corpus juris canonici Extrav. comm. I, 8 C. l): In hac ejusque [i.e., ecclesiae] potestate duos esse gladios, spiritualem videlicet et temporalem, evangelicis dictis instruimur... Sed is quidem pro ecclesia, ille vero ab ecclesia exercendus (“Ensinam-nos as palavras do evangelho que nela (i.e., na igreja) e em seu poder há duas espadas, a saber, a espiritual e a temporal... Mas esta, por certo, deve ser exercida a favor da igreja, aquela, porém, pela igreja”). A bula refere-se a Lc 22.38: “Então lhe disseram: Senhor, eis aqui duas espadas. Respondeu-lhes: Basta”. Bonifácio argumenta que o Senhor não respondeu que duas espadas era demais, porém: Satis est (cf. C. Mirbt, Quellen zur Geschichte des Papsttums und des römischen Katholizismus, 4ª ed., Tubinga, 1924, número 372, p. 210).
[4] Nas palavras finais da bula Unam sanctam (1302). Bonifácio VIII declara que a toda criatura humana é de necessidade absouta para a salvação estar sujeita ao romano pontífice: Porro subesse Romano pontifici omni humanae creaturae declaramus... omnino esse de necessitate salutis (Denzinger-Bannwart, Enchiridion symbolorum, definitionum et declarationum de rebus fidei et morum, 15ª ed., Umberg, 469). O Concílio de Constança (1418) condenou como sendo artigo 41 de João Wycliffe a sentença de que não é necessário para a salvação crer que a Igreja Romana é suprema entre as demais igrejas (non est de necessitate salutis credere Romanam ecclesiam esse supremam inter alias ecclesias — Texto latino citado em BSLK, p. 471, nota 4). Cf. a respeito WA II, 279 e 643.
[5] Designação usada pelos papas desde Inocêncio III (1198-1216). Na bula Unam sanctam (1302), Bonifácio VIII declara que Cristo e seu vigário constituem uma só cabeça (Mirbt, op. cit., p. 148). Durante muitos séculos foi costume designar com o título “Vigário de Cristo” aos bispos. Ainda no século XIII Tomás de Aquino escreve que os apóstolos e seus sucessores são vigários de Deus (Summa Theologiae, III, q, 64, art. 2, conclusio).
[6] Lc 22.24-27.
[7] O texto alemão acrescenta: “entre os apóstolos”.
[8] Mt 18.14.
[9] Jo 20.21.
[10] Bente-Dau, Concordia Triglotta, p. 505: “on an equality”. Ed. Tappert, p. 321: “as equals”. No original: pariter. Texto alemão: zugleich (BSLK: in gleicher Weise).
[11] Texto alemão acrescenta: dass einer weder mehr noch weniger Gewalt soll haben dann der ander (“de modo que um não deve ter nem mais nem menos poder que o outro”).
[12] Gl 2.2,6.
[13] Ed. Tappert, p. 321: “however”. No original, ideo. Texto alemão: darumb.
[14] Gl 2.6. Na ed. Tappert (p. 321) falta a tradução das palavras: Personam enim hominis Deus non accipit.
[15] Gl 2.6.
[16] 1Co 3.4-8.
[17] 1Co 3.21-22. Em BSLK falta a indicação do versículo 21.
[18] Hunc praetextum. “Magnificência” é um dos sentidos de praetextus. Texto alemao: Paulus zeuget Petro dies Hutlin ab (literalmente: “Paulo tira a Pedro esse chapeuzinho”, isto é, tira-lhe a posição de domínio). Bente-Dau (Concordia Triglotta, p. 507) e Tappert (p. 321) traduzem “pretexto”.
[19] 1Pe 5.3. No original: Non dominantes in clero. Vulgata Clementina: Neque ut dominantes in cleris.
[20] Trata-se do cânone 6º, famoso por causa das polêmicas quilométricas travadas em torno dele. No original (J. D. Mansi, ed., Collectio conciliorum, II, 669, 671): Tà arkhaia éthê krateitó tà en Aigúptõ kaí Libúê kaì Pentapólei, hôste tòn Alexandreías epískopon pántôn  toútôn ékhein tén exousían, epeidê kaì tô en té Rômê episkópô toüto súnêthés estin (“Prevaleçam os costumes antigos observados no Egito, na Líbia e na Pentápole, que o bispo de Alexandria tenha autoridade sobre todas essas, já que isso também é o costume para o bispo de Roma”). Discute-se até hoje sobre o sentido da última oração: se também é costume do bispo de Roma ter jurisdição sobre os bispos de territórios adjacentes, ou se também é costume do bispo de Roma reconhecer as prerrogativas do bispo de Alexandria.
[21] Epist. 67 ad Felicem presbyterum et Aelium diaconum, CSEL IIIII, 739.
[22] Texto alemão: nicht von Christo eingesetzt und nicht aus gottlichem Rechten kommet (“não foi instituída por Cristo e não provim de direito divino").
[23] Vid. o parecer de Melanchthon: Dass die Kaiser Macht haben, Concilia auszuschreiben, Anno 1536 (“Que os imperadores têm poder de convocar concílios"), Archiv für Reformationsgeschichte, XXIII, 1926, p. 271,272,274,283-286; CR III, 134-136. Sobre a hipótese de um concilio reunir sem autoridade papal vid, a famosa cláusula da bula In minoribus agentes, de Pio II, di¬rigida à Universidade de Colônia, em 1463 (texto latino em Bullarium diplomatum et privilegiorum sanctorum Romanorum pontificum, ed. de S. Franco e A. Dalmazzo, Turim, 1860, vol. V, p. 180): Veneramur enim Constantiense concilium et cuncta quae praedecessoribus approbata, inter quae nullum invenimus umquam fuisse ratum, quod, stante Romano indubitato praesule, absque ipsius auctoritate convenerit ("Pois veneramos o Concílio de Constança e todos os que foram aprovados pelos [nossos] predecessores, entre os quais nunca encontramos algum ratificado que, havendo presidente romano indubitado, se tenha reunido sem sua autoridade").
[24] Epist. 146 ad Euangelum, MSL XXII, 1194. Vid. Artigos de Esmalcalde, II Parte, IV Artigo, 9, nota em “Jerônimo".
[25] Ou: o mundo é maior do que Roma.
[26] A Gubbio de hoje, na Úmbria, na escarpa meridional dos Apeninos, ao noroeste de Perugia. Atestado como bispado já no tempo de Silvestre I (314/37).
[27] Gregório I, o Grande (c. 340-604). Epist. lib. VIII ep. 30 ad Eulogium, episcopum Alexandrinum, MSL LXXVII, 933.
[28] Regestos: registros de documentos, fatos, etc. Epist. lib. V ep. 43 ad Eulogium, episcopum Alexandrinum, et Anastasium, episcopum Antiochenum, MSL LXXVII, 771.
[29] Em 607 o Papa Bonifácio III conseguiu que o imperador Focas (602/10) reconhecesse Roma como "caput omnium ecclesiarum" (cabeça de todas as igrejas). Cf., p. ex., Herzog-Hauck, Realencyklopädie für protestantische Theologie und Kirche, III, 3 ed., p. 289.
[30] Mt 16.18.
[31] Mt 16.19.
[32] Jo 21.17.
[33] Quanto à interpretação das passagens citadas. Texto alemão: bemeldte Spruch.
[34] Mt 16.13.
[35] Mt 16.19.
[36] Mt 18.18.
[37] Jo 20.23.
[38] Melanchthon combina os versículos 19 e 20 de Mt 18. O texto alemão cita o versículo 20 (Wo zwen oder drei versammelt sind in meinem Namen) e acrescenta: “Da mesma forma Cristo dá o juízo supremo e final à igreja ao dizer: ‘Dize-o à igreja’” [Mt 18.17].
[39] Mt 16.18.
[40] Comment. in Matth, tom. XII, 11, MSG XIII, 1000.
[41] Ambrosiaster, Comment. in epist. ad Ephesios cap. 2,20, MSL XVII, 380.
[42] De catholicae ecclesiae unitate cap. 4, MSL IV, 500.
[43] De trinitate VI, 36 s., MSL X, 186 s.
[44] In Matth, evang. expositio lib. III cap. 16, MSL XCII, 78 s.
[45] Não foi possível averiguar esta citação. Mas cf., p. ex., In Matth, homil. 54(55), MSG LVIII, 534.
[46] Vid. acima, 27, nota em “Hilário".
[47] Jo 21.17.
[48] Jo 21.15.
[49] Mt 28.19-20.
[50] Jo 20.21.
[51] Jo 18.36.
[52] 2Co 1.24.
[53] 2Co 10.4.
[54] A bula Unam sanetam, de 1302.
[55] Decretum Gratiani, Parte I, Distinção 22, capítulo I.
[56] Referência à controvérsia das investiduras (1073-1122), resolvida com a Concordata de Worms ou Pactum Calixtinum.
[57] Corp. jur. can. Clementinae II, 11 c.2. As Clementinas (1314), também chamadas Constituições, são de Clemente V.
[58] Mc 10.42s.
[59] Decretais de Gregório IX (de 1234), livro I, 33, cap. 6º: ... quanta est inter solem et lunam, tanta inter pontifeces et reges differentia cognoscatur (“Quanta diferença vai entre o Sol e a Lua, tanta seja reconhecida entre os pontífeces e os reis").
[60] Gl 1.8.
[61] At 5.29.
[62] Decretum Gratiani, Parte I, Distinção 40, cap. 6º.
[63] 2Ts 2.3s.
[64] Mt 16.19.
[65] Cf. Decr. Grat. P. I D.40 c.6, P.II C.9 q.3 c.13, e a bula Pastor aeternus, (1513), de Leão X. Gelásio I (falecido em 496) já estabelecera a sentença: Papa a nemine judicatur ("O papa por ninguém é julgado”).
[66] Ml 7.15.
[67] Tt 3.10.
[68] 2Co 6.14.
[69] Tota voce.
[70] 1Tm 4.1.
[71] Cf. Decretum Gratiani P.I D. 16, 17, 19 e 21: Decretais de Gregório IX, I, 6 cap. 4º.
[72] Cf., p. ex., a bula Execrabilis, de 18 de janeiro de 1460, que muitos consideram o fim do conciliarismo. Nela, Pio 11 condenou a quem ousasse apelar do papa para um concilio futuro. Texto latino em Bullarium diplomatum et privilegiorum sanctorum Romanorum pontificum, ed. de S. Franco e A. Dalmazzo, Turim, 1860, V, 149-150: Execrabilis et pristinis temporibus inauditus tempestate nostra inolevit abusus, ut a Romano pontifice, Jesu Christi vicario, cui dictum est in persona b. Petri: 'Pasce oves meas’ et 'Quod ligaveris super terram, erit ligatum et in coelis’, nonnulli spiritu rebellionis imbuti, non sanioris cupiditate judicii, sed commissi evasione peccati ad futurum concilium provocare praesumant, quod quantum sacris canonibus adversetur quan- tumque reipublicae christianae noxium sit, quisquis non ignarus jurium intelligere potest ("Implantou-se em nossa época abuso execrável e inaudito em tempos prístinos. Alguns, imbuídos de espirito de rebelião, presumem, não pelo desejo de juízo mais são, porém pelo da evasão de penalidade por pecado, apelar do romano pontífice, vicário de Jesus Cristo, a quem foi dito, na pessoa do bem-aventurado Pedro: 'Apascenta as minhas ovelhas', e: ‘Tudo quanto ligares na terra, estará ligado também no céu’, para um concilio futuro. Qualquer pessoa que não ignore a lei pode compreender quanto isso contraria os sacros cânones e quão prejudicial é à república cristã”). O infrator, diz a bula, incorre ipso facto em sentença de execração, da qual não pode ser absolvido exceto pelo romano pontífice e em artigo de morte (= quando prestes a morrer): a qua [sententia], nisi per Romanum Pontificem, et in mortis articulo, absolvi non possit.
[73] Decretum Gratiani P. II C.9 q.3 c.13.
[74] Sl 2.10.
[75] Sobre esse termo vid. acima, Apologia XXVIII, 25, nota em “cisma".
[76] Confissão de Augsburgo XXVIII.
[77] Apologia da Confissão de Augsburgo XXVIII.
[78] Cf. acima. Artigos de Esmalcalde, III Parte, Artigo IX.
[79] Epist. 146 ad Euangelum (Euagrium), MSL XXII, 1193s.
[80] Tt 1.5-7.
[81] 1Pe 5.1.
[82] 2Jo vers. 1º, 3Jo vers. 1º.
[83] Isto é, Jerônimo acrescenta, na Epístola a Evágrio.
[84] Esdram. Lição correta: Heraclam. Melanchthon cita o texto de Jerônimo de acordo com uma edição do Decretum Gratiani, que em muitas edições traz Esdram.
[85] Dixi. No Livro de Concórdia latino de 1384: dixit.
[86] Ou: exclusivamente. No original: proprie.
[87] Ef 4.8 e 11s.
[88] Ou: exclusivos. No original: propria.
[89] Decretum Gratiani. P.III D.4 c.36, como carta de Agostinho a Fortunato.
[90] No original, o termo grego katêkhoúmenon.
[91] Mt 18.20.
[92] 1Pe 2.9.
[93] A ed. Tappert (p. 332, nota 5) remete, erroneamente, ao escrito De coelesti hierarchia, que trata da essência, das qualidades e das ordens dos anjos. Melanchthon pensa na obra Peri tês ekklêsiastikês hierarkhias (De eccleciastica hierarchia) cap. V, MSGIII 500-516. O escrito é de fins do V século ou princípios do VI. O autor, que é desconhecido, usa o nome de Dionísio, o Areopagita. (Cf. Atos 17.34). Já Lourenço Valla percebeu o caráter pseudepifráfico desse e de outros escritos atribuídos ao Areopagita. Lutero também se manifestou sobre obras atribuídas a Dionísio, dizendo não ser verossímil que o autor seja o discípulo de Paulo. (Cf. WART II, número 2799 a a.).
[94] Supposititia. Supositício, supositivo: atrubuído falsamento a alguém, inautêntico. A referência é aos Recognitionum libri X ad Jacobum ratrem Domini, atribuídos ao bispo Clemente de Roma (falecido cerca do ano 100). A obra não é de antes de fins do II século. Seu único escrito autêntico conhecido é a carta geralmente chamada Primeira Epístola aos Coríntios.
[95] Com as palavras: Accipe potestatem offerre sacrificium Deo missamque celebrare tam pro vivis quam pro defunctis in nomine Domini, o bispo, por ocasião da ordenação sacerdotal, confere ao sacerdote o poder de oferecer o sacrifício da missa.
[96] A ed. Tappert não traz a tradução das palavras adhibitis suis pastoribus, que não aparecem no texto alemão. As palavras também não aparecem na tradução inglesa da Concordia Triglortta, que se baseia num texto latino que omite todo o período em que estão essas palavras (Livro de Concórdia latino de 1584).
[97] Sobre o termo cisma vid. Apologia XXVIII, 25, nota em “cisma”.
[98] Gl 1.7-9.
[99] Cf. acima, seção 62, último período.
[100] Cf. p. ex. Cod. Justiniani Lib. V tit. 1—27, Dig. 23 tit. 1-2 e Nov. 22.
[101] Decretais de Gregório IX, V, 26, cap. 2º.
[102] Texto alemão; "Pois que a proibição do casamento entre compadres é injusta".
[103] Desponsationes, contratos de casamento.
[104] Corp. jur. can. Liber Sextus I, 3 c. 15.
[105] Vurtembergue e Vurtemberga são as formas aportuguesadas.

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